Não é de hoje que o cinema chileno vem chamando a atenção dos cinéfilos mundo afora. Para citar o sucesso mais recente, basta lembrar do poderoso “Uma Mulher Fantástica”, estrelado pela mulher trans, Daniela Vega e dirigido por Sebastián Lelio, que levou o Oscar de melhor filme internacional em 2018. Agora, ao puxar na memória, é fácil lembrar de “No” – lançado em 2012 – dirigido pelo mesmo Pablo Larraín que entrega em 2020, “Ema”, o tema da análise deste texto. Portanto, para começar, é preciso dizer que o novíssimo longa de Larraín (disponibilizado por um dia na plataforma de streaming, Mubi) não chega ao nível de obra prima de “No” ou mesmo de “Uma Mulher Fantástica”, mas é um ótimo exemplar de umas das cinematografias mais significativas que há na atualidade.
A história do filme é sobre a Ema do título, interpretada por Mariana Di Girolamo (em boa atuação, mas sem grandes destaques), uma dançarina que se casa com Gastón (Gael García Bernal), o coreografo do grupo de dança da qual ela faz parte. Os dois, por causa da infertilidade do homem, adotam um garoto para, após um ano, devolvê-lo ao lar de adoção quando um acidente causado por ele queima metade do rosto da irmã de Ema. Ao se desfazer do filho, o casal entra em um mundo de conflitos e decepções, que são caracterizados pelas agressivas discussões que começam a ter, e que são acompanhadas de perto pela câmera expressiva de Larraín. Câmera essa que se entrega quase totalmente à sua protagonista, que vai revelando gradualmente seu plano de formar novamente uma família, começando por recuperar o filho adotado por outras pessoas.
No entanto, a forma como Ema age para reformular sua vida é um tanto quanto anárquica, já que pretende transgredir todas as convenções sobre sociedade, família e relacionamentos. Uma amostra de suas intenções é dada logo no início do longa quando ela queima um sinal de trânsito com um lança-chamas. A cena começa mostrando o fogo consumindo o farol que está exibindo sua fase vermelha restritiva. Logo depois, luzes verdes localizadas na parte de baixo do objeto em chamas são acessas, revelando que os limites e as leis não são mais válidos para ela. Inclusive, durante a trama, a luz verde do fotógrafo Sergio Armstrong banha os ambientes e os personagens nos momentos de transgressão das relações sociais, amorosas ou sexuais.
Outras cores também fazem parte da paleta de Larraín e Armstrong, e servem para que o espectador mais atento consiga decifrar uma personagem que busca uma forma libertária de relacionamento envolvendo várias pessoas que se amam. O vermelho, por exemplo, é usado nos momentos de tensão, de destruição, ou, do contrário, nos de criação, como nas apresentações onde Ema dança à frente de um vídeo do sol projetado em detalhes. O sol criador e destruidor – já que seus raios são essenciais para a vida, mas que também podem destruí-la – é a representação dessa mulher vagando entre a culpa e o amor. Essa projeção ainda muda a tonalidade de cor do sol, deixando-o totalmente azul, quando Ema se sente rodeada de cumplicidade e liberdade na dança com seus amigos, ou quando dorme com vários de seus amantes. A maquiagem, o figurino e os cenários são outros que ganham um colorido intenso e que envolvem Ema durante a execução de sua arte, bem diferente do tom apagado e triste da escola onde ela dá aula e é hostilizada pelos colegas professores.
“Ema” segue em suas quase duas horas de duração apresentando uma explosão visual e estética, principalmente para falar sobre relacionamentos a partir da ótica fora do comum de uma personagem que tem a verdadeira marca feminina impressa em si. Ou seja, a marca da liberdade para ser ou não ser mãe, para fazer sexo e se apaixonar com e por quem ela quiser, independente do gênero, sem qualquer amarra. Tudo cabe unicamente a Ema e a todas as outras mulheres representadas lindamente por ela.
Vídeo e Imagens: Divulgação/Imovision
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