Nuri Bilge Ceylan é conhecido por apreciar a produção de filmes extensos. Aqueles que já tiveram o privilégio de ver algo da cinematografia do ilustre diretor turco reconhecem que a justificativa por trás da considerável duração de suas obras reside na busca pela contemplação e reflexão em narrativas que abraçam o ritmo vagaroso da existência cotidiana de indivíduos comuns. Em sua meticulosa montagem, Ceylan proporciona camadas de significado que enriquecem todas as imagens capturadas por sua talentosa lente.
Portanto, em seu mais recente trabalho, “Ervas Secas”, essa abordagem não poderia ser diferente. O filme, que disputou a cobiçada Palma de Ouro em Cannes no ano corrente, estende-se por mais de três horas, explorando temas intrinsecamente ligados ao autor e que já haviam sido explorados em obras anteriores. A trama segue o percurso do erudito professor Samet (Deniz Celiloglu), que ministra suas aulas em um humilde vilarejo no interior da Turquia. O protagonista se encontra fatigado da rotina nas salas de aula, mas sua principal queixa repousa no desconforto de residir em um local áspero e habitado por indivíduos que destoam de seu ideal de civilidade. Ele anseia pela oportunidade de se transferir para uma metrópole como Istambul. Com a realização de seu sonho a meros doze meses de distância, o caminho até esse objetivo se apresenta como uma jornada árdua, sobretudo devido aos conflitos com uma de suas alunas e à complexa trama de relacionamentos amorosos que se desenvolve com seu mais íntimo amigo e com a também notável professora Nuray (Merve Dizdar).
Com sua típica cadência narrativa, Ceylan apresenta mais uma de suas sagas morais, explorando temas como política, existencialismo, humanidade e sociedade. Por meio de planos longos, poucos cortes e diálogos substanciais, a trama se desdobra com maestria, capturando o interesse do público em cada palavra e ação de seus personagens. Nessas passagens, a direção demonstra sua proficiência ao manter o fascínio da audiência, prescindindo de eventos grandiosos. Apesar de ostentar elementos de suspense, em “Ervas Secas” não se vislumbra um clímax que culmine em uma tensão típica do gênero. Na verdade, a tensão permeia a narrativa, dispersa por todo o roteiro habilmente elaborado por Akin Aksu, Ebru Ceylan e pelo próprio diretor. A capacidade de manter a trama envolvente sem a necessidade de uma jornada convencional para o protagonista é uma proeza exclusiva de poucos cineastas.
Naturalmente, Ceylan não poderia obter tal proeza sem contar com um elenco de intérpretes de destaque, como o protagonista Celiloglu, que transita com habilidade entre a persona tranquila e afável e o indivíduo vingativo e desonroso. Entretanto, é em Dizdar que reside o cerne do filme. Sua personagem consegue comunicar-se apenas por meio de seu olhar, transmitindo toda a angústia de uma mulher solitária que perdeu uma de suas pernas em um atentado terrorista. É impressionante a sensibilidade e fragilidade expressas por Dizdar sem proferir uma única palavra. Os olhos penetrantes da atriz são capazes de comover as emoções do espectador. Não é de surpreender que ela tenha conquistado o prêmio de melhor interpretação feminina em Cannes.
Nuray desempenha um papel fundamental na proposta de “Ervas Secas”, uma vez que ela representa a disrupção por meio de seu pensamento de matiz socialista, que advoga em prol de ações benevolentes na comunidade com o propósito de mitigar o sofrimento humano como um todo. Isso contrasta fortemente com a perspectiva de Samet, que se encontra desencantado com a existência e acha que não há salvação para a humanidade. A mesquinhez e inclinações neoliberais gradualmente se apropriam da personalidade do professor, apesar de, no início do filme, ser um educador compassivo em relação a seus alunos, engajando-se em atividades caridosas para amparar a comunidade. Contudo, a partir do segundo ato, a desilusão toma o controle, fazendo com que ele se desinteresse não apenas pelo vilarejo, mas também por aqueles que supostamente são objeto de seu afeto.
É com este elevado nível de reflexão e discussão que o filme turco se desenrola. As conclusões ao término da obra são reveladoras e relevantes, no entanto, nelas não se encontra qualquer apelo sensacionalista. Logo, estamos diante de mais um excelente e perspicaz trabalho de Nuri Bilge Ceylan, que não se afasta de sua marca autoral, exceto por um único momento em que seu protagonista deixa o cenário e passa a perambular pelo estúdio onde a película está sendo gravada. Essa forma de metalinguagem, por assim dizer, surge apenas uma vez e pode ser interpretada como uma manifestação da personalidade de Samet, que, assim como o ator que o representa, segue apenas instruções, mas não de um diretor e sim da vida, a qual ele encara de maneira direta, porém, com olhos desprovidos de vivacidade e carentes de qualquer vislumbre de um horizonte propício à felicidade, ainda mais porque a fotografia de Cevahir Sahin e Kürsat Üresin enche a tela com o branco da neve com luz estourada, fazendo com que Samet não consiga reconhecer o seu caminho, como se estivesse perdido em um ambiente alienígena. Em certo momento, contudo, a neve derrete, mas embaixo dela não há nada de substancial, apenas o solo seco e desolador.
“Ervas Secas” foi exibido durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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