Meu norte é o sul
Histórias de pessoas comuns, em situações cotidianas, vivendo em uma cidade com todos os problemas que conhecemos tão bem, esse tipo de enredo o cinema brasileiro sabe retratar com qualidade de sobra. “Eu Te Levo” significa muita coisa, o título se expressa com algumas variações de entendimento sobre onde queremos realmente chegar. Filmado na cidade de Jundiaí, em São Paulo. O primeiro trabalho como diretor de Marcelo Müller, traz uma fotografia em preto e branco, mas poderia muito bem ser o cinza da cidade em contraste com a sombra de um futuro incerto.
Após o recente falecimento do pai, Rogério (Anderson Di Rizzi) se vê diante de compromissos que anteriormente não eram do seu interesse, e esses conflitos o perseguirão por muito tempo. Precisando suceder o patriarca no negócio da família, uma loja de calhas e material hidráulico em geral, ele sabe que aquele não é o seu destino. Se aproximando dos 30 anos de idade, Rogério ainda divide o mesmo teto com a mãe, Marta (Rosi Campos), que claramente encontra-se desnorteada com a perda do marido, e ambos encontram-se afastados emocionalmente um do outro, proporcionando cenas de muita melancolia entre ambos os personagens. Ele é claramente um homem de ideais, ao mesmo tempo que transmite ser uma pessoa extremamente fechada, séria e de poucas palavras, certamente, ele sempre foi assim, e não parece ser apenas uma consequência da ausência do pai. O sonho de Rogério é ser bombeiro na cidade onde vive, em Jundiaí, no interior de São Paulo, e para isso precisa deslocar-se diariamente para a capital, onde frequenta um curso de preparação para a prova na Polícia Militar do Estado. Sempre se deslocando com o carro que também é usado à serviço da loja, percorre a estrada em direção ao incerto, porém, agora acompanhado de Cris (Giovanni Gallo), que da mesma maneira que Rogério vai para São Paulo em busca de algo maior para sua vida, levando consigo o espírito de liberdade e da juventude, que parecia estar preso em uma cidade sem futuro aparente. O mesmo espírito de juventude que ainda parece existir em Rogério, mas que limita-se na perspectiva de futuro para si, que a idade acusa.
Como mencionado logo no primeiro parágrafo, a fotografia do filme é em preto e branco, o que ajuda na construção de um ambiente frio, vazio e sem nenhuma distração para o espectador. Transformando tudo que aparece ao fundo dos personagens em um cenário sem profundidade, mas sempre usando uma ótima composição do espaço, e ali tudo torna-se uma coisa só. Méritos para Jacob Solitrenick, diretor de fotografia, que aproveitou muito bem a iluminação em lugares fechados, ou da falta dela, como na casa de Rogério e Marta, onde normalmente se encontra com as luzes apagadas, ou fraca, ressaltando as sombras nas paredes de forma harmônica. Todos esses aspectos ajudam no tom dramático dado principalmente ao personagem de Anderson Di Rizzi, em suas cenas dentro do carro, sozinho ou acompanhado, e sempre com o rádio ligado, ao som de um heavy metal no qual deixa parecer ser sua única paixão verdadeira.
É neste momento que o roteiro entra, após o espectador acostumar-se ao preto e branco da projeção e entender que tudo aquilo está lá para complementar a personalidade de Rogério, e o mundo que está em sua volta. As coisas começam a acontecer de maneira mais direta na sua vida, com resultados reais que lhe dão uma motivação gritante. Após uma alteração drástica no visual, o seu personagem muda. Fala com mais frequência, sorri com sinceridade e parece estar perto de algo verdadeiramente concreto. O Roteiro, assinado pelo próprio diretor, e a montagem se complementam em determinados pontos do longa, quando é nítido uma pequena percepção de alteração no rumo da história, como a própria mudança física do personagem e as diversas vezes que Rogério entra dentro daquele carro, sabemos que a partir daquele momento ele está indo de um lugar para outro e que durante o percurso, ou ao final dele, alguma coisa acontecerá e a narrativa avançará.
Com poucos personagens, alguns aparecem com frequência, o filme deixa para Rogério quase que por totalidade o tempo em tela, dando a impressão que eles sempre acabam indo ao encontro dele. A diferença na atuação de Anderson Di Rizzi e Giovanni Gallo, comparada com os outros é perceptível, mas, esse fator torna tudo mais real, natural e orgânico dentro daquele espaço, como costumam ser os filmes nacionais. Perdas pessoais, suas consequências e a busca por alguma tipo de independência que vai além da profissional, uma descoberta pela verdadeira identidade do que devemos ser. Um filme que facilmente nos identificamos, mesmo sem ter vivenciado exatamente as mesmas coisas, e em algum momento nos deparamos com os enfrentamentos existenciais de pertencimento ao mundo que vivemos.
“Eu Te Levo”, é uma produção da Academia de Filmes e distribuído pela Pandora Filmes, em conjunto com a SPcine. A estreia oficial acontece neste semana, no dia 23 de março, em todo o Brasil. Assista ao trailer abaixo:
Por Guilherme Santos
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