Produzir um filme sobre a vida de Enzo Ferrari com um ator da moda e entregá-lo nas mãos de um dos mais reverenciados diretores do cenário cinematográfico global parece uma ótima idéia. Logo, os executivos não devem ter hesitado em aprovar “Ferrari”, uma cinebiografia sob a direção de Michael Mann, e estrelada pelo prolífico Adam Driver. Com o projeto em posse dos homens de negócio, houve um alocamento de recursos financeiros generoso, tornando o filme tão resplandecente quanto a lataria vermelha dos velozes carros que roncam seus motores durante as duas horas de projeção. Lamentavelmente, contudo, o esplendor é reservado apenas aos veículos, pois no que diz respeito ao enredo, interpretações e, sobretudo, à emotividade, o que se reflete no espectador é apenas decepção e tédio.
“Ferrari” narra a saga da vida de Enzo (Driver) quando este ainda batalhava para tornar sua empresa economicamente viável, tanto na comercialização de automóveis quanto nas competições automobilísticas. Ele conta com a colaboração de sua melancólica esposa, Laura (Penélope Cruz), com quem mantém um relacionamento tumultuado após a perda de um de seus filhos. Além disso, há sua amante, interpretada por Shailene Woodley, e o filho pequeno que ele tem com ela.
Todos esses personagens povoam uma trama novelesca, dado que há uma dose significativa de melodrama em sua estrutura, especialmente quando a personagem de Cruz está em cena. Para os espectadores brasileiros, a sensação de se estar assistindo a uma novela é reforçada pelo sotaque “italiano” que os atores incorporam ao inglês, evocando à aclamada “Rei do Gado” da Rede Globo, o que é até engraçado em certos momentos. Naturalmente, nas sequências de corrida, a televisão é deixada de lado, e o estilo cinematográfico à la Michael Mann se desvela. O diretor habilmente insufla tensão nas cenas nos cockpits por meio do som estridente dos robustos motores e nas batalhas entre os carros na pista, que são filmadas com habilidade, hora em planos próximos, para destacar o esforço dos pilotos, hora em planos gerais, para situar o espectador e não deixá-lo perdido em meio às longas sequências de corridas.
O dilema é que não se pode contar uma hsitória exclusivamente por meio de veículos, e quando estes não estão em cena, tudo desmorona, visto que se trata de uma obra destituída de alma. É inviável estabelecer qualquer vínculo ou empatia com os personagens, seja com Enzo de Adam Driver — construído à semelhança de Michael Corleone de Marlon Brando e Robert De Niro —, seja com qualquer outro. Nem mesmo o rosto familiar do competente brasileiro Gabriel Leone, desempenhando o papel do piloto Alfonso De Portago, é capaz de suscitar nosso interesse. Talvez a direção de atores de Mann ou a representação gélida dos intérpretes sejam os responsáveis, e não a falta de sensibilidade de quem vos escreve. Até mesmo o fator histórico não incita qualquer curiosidade aqui, uma vez que a Ferrari tem experimentado uma queda recente em seu desempenho nas corridas de Fórmula 1, afastando-se da preferência popular, enquanto os carros de luxo atraem somente milionários e entusiastas nichados. Bem, há uma única cena, quase no desfecho, que consegue despertar algum sentimento no espectador. Nela, acontece um acidente fatal que é mostrado de forma gráfica por Mann. Sua câmera não desvia “o olhar” dos corpos decapitados e do sangue, mas nesse caso há um certo sensacionalismo nas imagens, que apela mais para a morbidez do ser humano, e sua curiosidade em ver esse tipo de imagem, do que a qualquer outro sentimento.
Apático, o filme foi feito, em síntese, apenas para descrever a jornada do criador de uma grife, a Ferrari, e foi dirigido pela grife Michael Mann. Se a Ferrari produz carros exclusivos para aqueles que podem pagar, Mann também pode, eventualmente, fazer filmes para aqueles com recursos robustos que possibilitam a realização de produções milionárias. Portanto, para utilizar uma analogia automobilística, e peço desculpas antecipadas por fazê-la, trata-se apenas de um Mann no piloto automático.
Este filme foi exibido durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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