Gus Van Sant é um daqueles diretores que faz filmes incríveis, mas talvez o grande público não o conheça por nome. “Gênio Indomável” e “Milk” são apenas dois dos seus filmes mais citados entre os preferidos de muita gente, mas é “Garotos de Programa” sua obra mais controversa e intensa.
O longa concentra-se na vida de Mike, um jovem viciado em drogas, que é portador de narcolepsia, enfermidade que o faz dormir quando está sob pressão. Vivendo nas ruas, ele torna-se amigo de Scott, um garoto rico que pra confrontar o pai decide se prostituir até seus 21 anos, quando promete ser uma pessoa de bem.
Mike decide, então, procurar a mãe, que o abandonou ainda bebê, e eles partem rumo a uma intensa viagem, seguindo as pistas deixadas pela mulher, confrontando alguns de seus velhos medos e receios, encontrando mais do que era seus objetivos.
“My Own Private Idaho” – nome original – é um filme quase impecável. Intenso, selvagem, brusco, ele usa uma linguagem direta, sem romantismo, sem idealismo. Van Sant saboreia do texto de Shakespeare para dar vida ao seu roteiro. Em uma ideia contemporânea, o longa abre seus braços para envolver partes de diálogos de Henrique IV, texto do dramaturgo inglês, com seu próprio arco sobre os jovens garotos de programa.
É um filme extremamente eloquente, íntimo, que não zomba de si mesmo. Há algo frenético em seu contexto. Diferentemente dos jovens romantizados e engraçadinhos que tinham passado pelo cinema nos anos 80, Scott e Mike são errados e selvagens a sua maneira, e até metade do terceiro ato podem contar apenas um com o outro. Eles são partes marginalizadas da sociedade, seja por escolha (como é feita por Scott, filho de um poderoso político da cidade, que decidiu quebrar as ideias pré-concebidas que tinham para ele) ou ainda por fatos inevitáveis (Mike é filho de pessoas problemáticas, foi abandonado muito cedo em instituições e desde sempre teve que encarar o mundo sozinho).
Garotos de Programa atingiu seu objetivo principal também porque seus atores souberam dar vida a seus personagens. River Phoenix, que interpretou Mike, era uma força da natureza atuando. Vindo de outros projetos como “Conta Comigo” e “O Peso do Passado”, filme que ele foi indicado ao Oscar, River era uma grande promessa, talvez ele seria um dos melhores atores de sua geração, porém teve uma vida curta e faleceu alguns anos depois desse projeto. Mike foi, sem dúvidas, uma de suas melhores interpretações. Era tão natural sua atuação, que não havia em Mike nada que parecia fora do eixo ou forçado. O público que assistia o filme acreditava fielmente que ele era real e criava empatia quase imediata com sua dor e seus dramas.
Keanu Reeves, que deu vida a Scott, era novato também, já fazia algum sucesso com “Bill & Ted”, mas surpreendeu ao aceitar fazer parte deste projeto, saindo totalmente da sombra da comédia bobinha e ao mesmo tempo ingênua, que havia feito sucesso no verão de 89. Scott era um jovem muito consciente e inteligente, responsável pela centelha que movia as vidas de ambos. Reeves soube passar sua revolta e, até mesmo, a quebra de caráter, sem, em momento algum, parecer condenar seu jovem indomável. A dobradinha entre Reeves e Phoenix foi realmente brilhante e houve uma troca muito interessante entre eles em cena.
O mise en scène da produção é simplesmente perfeito. Pensada para funcionar em cada segundo, a luz varia e dá exatamente a tonalidade que a montagem precisa naquele preciso momento. No final do terceiro ato, quando Scott mostra uma face secreta e antes não vista, seu rosto está iluminado por uma luz vermelha, dando a verdadeira dimensão de quem ele realmente é. A sonoplastia e a arte também se introduz no produto final, fazendo com que a soma de todos seus fatores tenham um excelente resultado final.
Mas, nada disso seria realmente visível e elogiável se não fosse a visão de Gus Van Sant como diretor. Ele poderia ter dado inúmeros tons a “Garotos de Programa”, utilizando diversos efeitos, mas fez escolhas certeiras e é impecável na construção do roteiro e direção do longa. Van Sant fez um filme extremamente correto, agregando cada área e tendo um resultado que colocou a produção em várias listas de filmes que devem ser vistos.
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