Tentando ser um “Sex And The City” Plus Size
Entre os temas que, infelizmente, ainda precisam de debates e conscientização, indo além do machismo, feminismo, racismo e homofobia, nós temos a gordofobia. Para quem não a conhece, ela, resumidamente, consiste em atos de ódio e preconceito à uma pessoa que supostamente estaria fora dos padrões corporais. Esses “padrões” físicos, impostos pelas mídias, enraizados em nossa cultura social, fazem com que os considerados gordos sofram com xingamentos, piadas e até olhares atravessados. Tais ocorrências influenciam consequentemente em suas auto-estimas, que costumam ser devastadas por se sentirem inferiores e/ou diferentes.
Porém, o longa “Gostosas, Lindas & Sexies” vem tentar retratar o contrário. Usando a comédia como base para expor o cotidiano de distintas mulheres, o primeiro filme de Ernani Nunes vem para quebrar os paradigmas desse padrão corporal, mas não é exatamente o resultado que vemos na tela.
A trama traz a historia cosmopolita de quatro amigas de longa data que se encontram sempre para festejar e compartilhas suas alegrias e decepções. Beatriz (Carolina Figueiredo) é uma jornalista que trabalha numa revista de moda, beleza e saúde feminina, e possui um relacionamento estável com Daniel (André Bankoff), mas tem uma paixão platônica pelo seu colega de trabalho, Sebastian (Marco Antonio Caponi). Ivone (Cacau Protásio) é uma empresária e cabeleireira de sucesso, com inúmeras franquias de seu salão, mãe de dois filhos e que está em busca de um amor. Marilu (Mariana Xavier) é uma professora de inglês que se desdobra em outros trabalhos para ter uma renda extra, que adora fazer sexo e ter vários homens. E Tânia (Lyv Ziese) é uma rica herdeira que sonha em ser uma atriz famosa, mas sofre com a ausência de seu marido e passa o tempo dedicando-se aos estudos interpretativos e a outras atividades, como a luta. “O Quarteto Bombástico” – nome dado por uma das personagens – se conhece há um bom tempo e cada uma, a sua maneira, precisa superar os percalços da vida sempre com o apoio uma das outras.
O primeiro longa do roteirista Vinícius Marques tem uma ótima proposta, mas peca nos mais diferentes pontos. O primeiro deles é: Você reparou que no resumo do filme acima, praticamente tudo gira em torno de homens? Uma quer ter vários, a outra está dividida entre dois, outra quer um homem para casar e a outra tem problemas com o marido. Isso faz parte da vida das mulheres? Sim. Porém, a proposta no qual a produção é vendida vem como o empoderamento de mulheres que fisicamente nunca sairão na capa de uma revista fitness, e nem querem que isso ocorra, mas que são extremamente confiantes com seu corpo e suas condutas. E depois de assistir ao filme, você ainda tenta forçar e enxergar a proposta, o que não ocorre.
O filme, além de reproduzir alguns dos preconceitos recorrentes, principalmente as piadas cochichadas, faz uso dessas “brincadeiras” de maneira ruim e mal colocada. A cena do elevador é tão grotesca e mal estruturada quanto a personagem de Beatriz conversar com a sua geladeira, que a chama o tempo todo de gorda e manda ela parar de comer. Nós sabemos que uma geladeira não fala, mas se uma pessoa se comunica com um ser inanimado, suas conversas são feitas pela imaginação influenciadas pelo seu psicológico, correto?! Então, como uma mulher empoderada, feliz com o seu corpo, em um relacionamento com um “Ken“, que várias mulheres desejariam ter, se chama de gorda o tempo todo?! E não bastando, a mesma personagem faz uma determinada coisa numa festa e intitula que o seu comportamento foi de uma “vadia louca”. Deixamos mais uma questão: O que seria o uma vadia louca se uma mulher pode fazer o que quiser, quando quiser e se quiser?!
Já que falamos tanto de sua personagem, Carolina Figueiredo, que estreia nas telonas, consegue um resultado interessante, embora diversas vezes soe forçado. Para completar, ela ainda tem o impasse de ter duas colegas de trabalho que parecem vilãs de um péssimo conto de fadas. A personagem de Cacau Protásio passa por um acontecimento bizarro, que parece ter sido retirado de um tosco conto erótico. Ela, que teria grandes chances de se destacar, tem um dos menores papeis, e seu texto é tão frustrante quanto pequeno. Caso parecido acontece com Lyv Ziese, que ganha dentro do filme o título de “Gorda Ninja”, mas consegue se desenvolver bem e tem um final interessante, embora também envolva homem. Já Mariana Xavier consegue roubar algumas cenas, por ser mais escrachada, porém o texto não a ajuda desenvolver melhor as necessidades, físicas e psicológicas, de sua personagem.
Indo para o elenco secundário, os homens são outro problema da produção. Todos eles estão dentro do padrão e segue uma essência de fetiche. Se estão apoiando a luta contra a gordofobia, o minimo que se esperava era que pelo menos um homem, um dos pares românticos, também fosse gordo. André Bankoff é o Ken que citamos a cima, só que em versão nordestina. Ele não segura o sotaque o tempo todo, mas consegue deixa-lo leve quando pronunciado corretamente. Marco Antonio Caponi é o típico galã de novela latino-americana, com o charme, a sedução e só, mais nada. Marcos Pasquim é uma espécie de braço direito no salão de Ivone e vem como um homem feminino, não gay, que embora possa soar caricato várias vezes, consegue passar sem muita relevância. Juliana Alves faz a diarista das quatro mulheres, mas sua pequena passagem não diz muito, embora esteja bem em cena. O mesmo acontece com a executiva vivida por Eliane Giardini e o taxista de Paulo Silvino. Mas, já que estamos falando de uma comédia, Márcia Cabrita, como Arlete, a cliente socialite do salão de Ivone, é a melhor atriz em cena com uma participação que, embora seja caricata, é simplesmente mais engraçada que todo o filme.
Com tantos problemas estruturais e conceituais em sua narrativa, as questões técnicas acabaram não sendo tão questionáveis e preocupantes. Com a trilha previsível e uma direção fraca, com planos que deixaram a desejar, se pararmos para analisar, talvez, somente duas das quatro personagens centrais possam ser consideradas de fato o trio de adjetivos do título.”Gostosas, Lindas & Sexies“, como um todo, não foi nem um tiro no pé, foi um cartuxo perdido. O filme é mais uma triste comédia ao cinema nacional. Embora possa ter um publico que se interesse pela proposta, a frustração e os sorrisos forçados de constrangimento é o marco do filme.
https://youtu.be/umVhGJvTAvs
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Concordo com tudo que você falou, ainda mais na minha posição de mulher que sofre com a gordofobia. Infelizmente ainda apostam na fetichização da mulher gorda quando a luta deveria ser bem ao contrário. Gordo não deveria ser colocado como ofensa e nem questionado, ninguém pergunta para uma mulher magra porque ela é ou está tão magra. Confesso que quando vi as críticas, fotos e trailers do filme não consegui nem entender a proposta inicial (que pelo visto não tem). Gostei muito da maneira que você abordou o viés fetichizado na crítica, Paulo, uma vez que poucos conseguem perceber esse lado. Te agradeço, de coração, por ser capaz de perceber e problematizar essa gordofobia toda que a sociedade reproduz sem nem prestar atenção. <3
Pois é Julia, entendo esse caso que expõe, mas no filme é o contrário, os homens são os fetiches de “Homens Perfeitos e Gostosos”. Nada contra a imagem do homem objeto, afinal acontece o mesmo com as mulheres o tempo todo, só não é possível aceitar que nenhuma delas se interesse ou tenha um relacionamento com um homem considerado gordo. É como se elas também propagassem, indiretamente, o próprio preconceito que sofre. A gordofobia está aí, tão presente quanto qualquer outro preconceito. E o fato de ter um filme que se predispõe a dialogar sobre, o mínimo que se espera é que o faça da maneira correta, seja com viés de humor ou não. Faze-lo ser debatido é sempre necessário e se depender de mim, continuará sendo, quando couber. 😉