Falar sobre mais uma montagem teatral do poema épico da Grécia Antiga “Ilíada”, atribuído a Homero, pode parecer que estamos chovendo no molhado, como se diz no popular. Contudo, a grandeza dessa obra reside nas amplas possibilidades de interpretação de uma realidade que parece distante. Mas cá estamos nós, séculos após a Guerra de Tróia, ainda nos dividindo sob a égide de pseudos deuses.
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Mas, afinal, o que esperar de mais uma encenação da “Ilíada”? A resposta é tudo. Nesta versão de 2023, são apresentados dois cantos da obra que aborda o último ano da Guerra de Troia. O canto 1, interpretado por Daniel Dantas, retrata o estabelecimento do conflito interno entre os gregos e suas motivações. Já o canto 20, interpretado por Letícia Sabatella, traz o retorno triunfal e implacável do herói ao campo de batalha.
Quando pensamos na representação de um poema épico, nos vem à mente elementos grandiosos, do figurino à cenografia. Mas nesta montagem, a grandiosidade vem revestida de generosidade e uma concepção minimalista de espetáculo. A generosidade do diretor Octavio Camargo abre espaço para uma conversa dos atores com o público antes de cada ato, com apontamentos importantes sobre o argumento e a notória tradução de Manuel Odorico Mendes.
Atuações grandiosas em um espetáculo minimalista
Os atores, se apresentam sozinhos no palco vestidos de preto. O canto 1 é um texto denso, que exige atenção plena da plateia para acompanhar o entrelaçar de palavras, que em alguns casos sequer existem de fato na língua portuguesa. As transições entre os vários personagens se sustentam com imensa competência por Daniel Dantas, num intenso trabalho de entonação de voz e gestual. Do início da negociação ao despertar da ira de Apolo, a atuação é um convite à plateia para ouvir mais de perto e se aproximar da obra que hoje é reservada à erudição, mas que um dia já foi popular.
No canto 20, com interpretação de Letícia Sabatella, os deuses recebem a permissão de Júpiter (ou Zeus) para tomar partido na batalha. Eles optam por se dividir entre os que apoiam os gregos e os que apoiam os troianos. Por se tratar de um campo de batalha, a atriz faz um trabalho mais físico, investindo num gestual com movimentos mais amplos. Temos Juno elegante, Aquiles enfurecido e imponente, um Licaon provocador e até um Netuno meio debochado. Parece que o canto existe para essa abordagem, dada a capacidade da atriz de nos envolver com tanto dinamismo.
Além das belíssimas atuações de Letícia e Daniel, é preciso destacar o incrível trabalho de iluminação de Beto Bruel. Muito além de marcar as transições entre os personagens, os feixes amarelos ora envolvem, ora cortam o palco num jogo perfeito entre luz e sombra que extravasam a profundidade da obra de Homero junto ao lirismo das interpretações. Sobre o texto, é irrelevante o trabalho da crítica, visto que estamos diante de uma obra considerada fundadora do pensamento ocidental. Mas é para elogiar a coragem de selecionar e popularizar a tradução de Manuel Odorico Mendes, com suas emulações consideradas por muitos um tanto indigesta. Recitar Homero em pleno século XXI com uma montagem tão boa, extrapola os limites da apreciação do teatro para o resgate do épico na atualidade.
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A peça de teatro “Ilíada” de Homero, embora seja uma obra icônica que retrata o conflito entre gregos e troianos, muitas vezes peca ao usar uma linguagem complexa e rebuscada, tornando-a incompreensível até mesmo para aqueles que estão familiarizados com o contexto histórico. A sobreutilização de metáforas e a estrutura poética podem afastar o público moderno, dificultando a apreciação da trama central e das nuances dos personagens. Uma adaptação que busque simplificar a linguagem poderia permitir que a riqueza da história e os dilemas humanos fossem mais acessíveis e cativantes para as audiências contemporâneas.