– “Se final aberto é demodé, final feliz é o que?”
– “Subversivo. Tem coisa mais subversiva do que duas pessoas viverem feliz para sempre?”
Assim Manuela Dias conclui “Love Film Festival”, projeto que na dinâmica de seus protagonistas, envolvidos eles mesmos no fazer cinematográfico, transforma-se quase em um filme de romance sobre filmes de romance. Quase, porque mesmo que acompanhe, com sutileza, a batida da metalinguagem, relacionar-se na vida real é sempre mais complexo do que nas telas de cinema: e ele é consciente disso.
Portugal, 2009. Esse é o ponto de partida para o encontro de Luzia (Leandra Leal) e Adrián (Manolo Cardona), ela roteirista, brasileira, ele ator, colombiano, que se apaixonam durante o Festival de Cinema Luso-Brasileiro na cidade de Santa Maria da Feira, na região do Porto. A paixão é avassaladora, mas como fazer dar certo com a barreira territorial? A partir daí, acompanhamos os capítulos desse relacionamento que, cheio de indas e vindas, ao longo de cinco anos, tem momentos decisivos em outros três países (Brasil, Colômbia e Estados Unidos). Todos eles em festivais.
No roteiro assinado por Dias, é difícil não ver o diálogo com clássicos do gênero. Um enredo que se desenvolve em torno de encontros – e reencontros – pontuais, o amadurecimento dos protagonistas de anos, em minutos, por coincidência ou não, lembram a estrutura de “Harry e Sally – Feitos um para o outro”. Assim como Meg Ryan e Billy Cristal, acompanhamos Leandra Leal e Manolo Cardona envelhecerem no caminhar episódico de sua relação, roupas e cortes de cabelo que confirmam que os anos mudaram, e seus personagens também.
Perspicácia que também está em como o longa usa o imaginário do cinema para falar da temática em pauta, o amor. Assim como o diálogo que encerra o filme e abre esse texto, instantes como o diretor que se enrola a explicar o próprio filme sobre esse tal sentimento ou o drama que surge quando a protagonista discute com o amado o fato de seu trabalho de mais sucesso ser inspirado no romance conturbado entre eles não só mostram o charme no roteiro, como também o bom funcionamento de sua lógica.
Já na direção, o esforço não é só da cineasta brasileira. Primeira vez conduzindo o olhar da câmera – Manuela Dias até então ficou conhecida por escrever para a televisão, em especial as minisséries globais “Justiça” e “Ligações Perigosas” -, seus primeiros passos foram dados ao lado de Vinicius Coimbra, Bruno Safadi e Juanchi Cardona, cada um dirigindo um dos episódios na vida de Luzia e Adrián. O resultado sai melhor do que o esperado: com uniformidade, os diretores materializam a paixão do casal em planos fechados, profundidade de campo pequena, cortes rápidos; é ao mesmo tempo sufocante, íntimo, elétrico.
Em contrapartida, a sensibilidade de um deles, em termos de linguagem, se sobressai. Quando a história chega ao Brasil, Bruno Safadi talvez seja o que melhor consegue mapear a relação entre as criaturas que povoam a trama. Enquanto o casal protagonista, quase como um só, habitam o mesmo quadro, em um ritmo marcado pela montagem ágil, sinais de uma cumplicidade conflituosa, é notável quando em um momento de confronto entre a jovem roteirista e o namorado traído vai pelo caminho contrário. Em um plano longo, aberto, em que quase toda a cena acontece, os personagens ocupam lugares opostos na tela. Um jeito de mostrar a desconexão que a protagonista tem desse homem, mas que nunca terá do ator colombiano, por mais distante geograficamente que estejam.
Ideia intensificada pelo trabalho de fotografia de Pablo Baião, que abusando da contraluz na resolução dessa sequência – uma forma delicada de transformar uma banalidade doméstica, no caso a luz do corredor – com as sombras, torna duvidosa a promessa de reconciliação. Recurso que se repete no término do relacionamento entre Adrián e sua namorada Camila (Nanda Costa): antes de abandoná-lo, vemos apenas sua silhueta contra a janela por onde entra a luz noturna de Chicago.
Porém, mesmo com boas apostas estéticas, ao rolar os créditos um incomodo aparece. Que é um projeto interessante e competente, é inegável. Que o casal principal tem química, também. O desconforto reside no “felizes para sempre”. De fato, terminar hoje em dia um filme com felizes para sempre é subversivo: mas deveriam duas pessoas que só souberam machucar uma a outra ficarem juntas? Mesmo depois de construir um percalço doloroso, o trabalho de Manuela Dias parece ignorar essa questão em prol de um ideal de paixão, um amor acima de tudo e de todos, pelo qual vale o investimento.
Se Adrián e Luzia vão ficar juntos para todo o sempre não saberemos. A questão é que mesmo apostando no cliché, para desconstruir clichés, “Love Film Festival”, no final das contas, consegue extrair doçura do amor pintado com as cores da realidade. Em um mar de comédias românticas nacionais de qualidade duvidosa, conferir essa nova produção tem o seu valor.
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