O famoso crítico de cinema Roger Ebert uma vez criou a “regra Stanton-Walsh”, que dizia que nenhum filme com os atores Harry Dean Stanton ou M. Emmet Walsh pode ser ao todo ruim. O primeiro deles estreia esse ano em “Lucky”, a nova produção, e uma das últimas, de sua carreira.
A trama segue Lucky (Harry Dean Stanton) um homem ateu de 90 anos que segue uma vida simples em uma cidade pequena na beira de um deserto. Até que em um dia, como qualquer outro, Lucky desmaia sem motivo e o médico declara que a causa foi apenas “velhice”, ele sofre uma epifania, seguida de uma crise emocional, e deve conciliar sua mortalidade com sua visão niilista e cínica do mundo.
O roteiro, escrito por Logan Sparks e Drago Sumonja, trata todo o estudo do personagem com delicadeza, indo da tragédia ao humor, sendo bem efetivo em tirar reações variadas do telespectador sem parecer forçado ou desconexo. Também são notáveis e perspicazes as várias metáforas que, apesar de não muito sutis, estabelecem e equiparam a trajetória do protagonista com os assuntos variados de seus diálogos rotineiros, como a definição de “realismo” em uma palavra cruzada e a vida da tartaruga de um de seus amigos.
Ao mesmo tempo, o script também consegue criar uma história cativante, que apesar de ter um ritmo rápido, toma seu tempo para revelar a história de Lucky, gerando, com sucesso, uma curiosidade em cima de sua personalidade excêntrica. Naturalmente, isso só é possível graças ao ótimo trabalho de atuação de Harry Dean Stanton.
Não parece certo dizer que Stanton se encaixou bem no papel, pois a impressão que fica é de que foi o contrário que aconteceu. Diversos dos traços do personagem espelham a história do ator veterano – como o fato de ambos serem do mesmo estado, ou de terem servido como cozinheiros em um navio da marinha enviado ao Japão durante a Segunda Guerra Mundial – o que traz mais emoção e sinceridade à sua performance. O elenco de apoio também é impressionante, principalmente David Lynch, que interpreta Howard, um amigo de Lucky que está desolado por ter perdido seu cágado de estimação.
Na direção, John Carroll Lynch também se destaca, realizando uma ótima construção de atmosfera da cidade pequena e árida através de sequências de planos gerais nos quais o protagonista calmamente anda de um lado para o outro. Ele também estabelece a rotina metódica de Lucky através da repetição de uma mesma série de quadros e quando esta finalmente é quebrada, já é detectável que algo não está certo.
Essa quebra também ocorre na fotografia, que na maior parte do longa retrata de forma fiel o clima ensolarado do deserto, mas que, nos pontos de virada da trama, troca para a prevalência de uma luz vermelha, com a sua intensidade variando de acordo com a crise emocional do personagem principal. Também é destoante do resto o momento no qual ele passa pela parte mais drástica da situação, quando o visual se torna sombrio e noturno.
Meses após o lançamento de “Lucky”, Harry Dean Stanton faleceu, com 91 anos de idade. Isso acabou dando uma dimensão muito maior à produção, principalmente levando em conta seu tema, que agora serve quase como um epitáfio para o ator veterano, que participou de muitos filmes significativos durante os anos, mas que passou despercebido para os olhos do público geral.
No final, “Lucky” é um bom filme, dramático e divertido na medida certa. É uma produção que começa bem a carreira de diretor de John Carroll Lynch e que do mesmo modo encerra a do ator Harry Dean Stanton, da forma mais digna possível. Voltando a regra de Roger Ebert, enquanto o próprio crítico admitiu que Walsh a quebrou, Stanton continua invicto. E ele continuou invicto até o fim.
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