Referências Multifacetadas
O prazer de ir ao teatro pode ser relacionado as mais diversas coisas, mas não podemos negar que estar de frente à um espetáculo visual em que tudo acontece na hora, passivo de erros, que nos transporta à um novo universo durante sua realização é, sem dúvida, algumas das melhores circunstâncias.
Para quem mora no Rio de Janeiro, há muitas opções, embora grande parte das produções possam a vir incomodar depois de um certo tempo. A verdade é que chega uma hora que o prazer de ver Nelson Rodrigues e Shakespeare, reproduzido constantemente por aqui, se esgota. Alguns dos musicais viram nada além de um mecanismo monetário para as produtoras, e as comédias… Bom, não vamos entrar no mérito das comédias do Rio.
Toda essa introdução nada mais é que uma observação válida para o mercado teatral carioca, em que um monologo de drama, de 50 minutos aproximadamente, precisa vir de Pernambuco como um presente para nossos olhos, ouvidos, corações e mente. Mesmo relutante em dizer, pois a arte não é algo exclusivo, “O Açougueiro”, em cartaz no Poeira, é teatro puro para quem ama, vive e transborda essa arte.
A proposta que nasceu em Recife, no ano passado, rodou alguns festivais de teatro antes de sua temporada no Rio. Selecionado no Festival de Curitiba, Festival Internacional de Londrina e Festival Togorama, citando alguns, ele já recebeu os prêmios de Melhor Ator, no Festival Janeiro de Grandes Espetáculos; Melhor Ator, Direção e Texto, no Festival de Trindade, e os prêmios de Melhor Ator, Melhor Monólogo e Melhor Maquiagem na 16ª edição do Prêmio Cenym de Teatro Nacional.
O pernambucano Samuel Santos é responsável por três pontos construtivistas à beleza do espetáculo. Ele assina o texto, a direção e o desenho de luz, executado por Wallace Furtado. Sua narrativa nos aproxima do interior sertanejo e humano, para narrar a vida de Antônio, um pobre garoto que cresceu querendo ser açougueiro por ter passado fome e desejar comer carne. O sonho infantil ganha uma força imagética absurda para a construção do personagem central, que após realizar esse sonho casa-se Nicinha, uma ex-prostituta.
Para trazer à tona as múltiplas facetas e referências presentes em sua obra, ele divide o texto entre diálogos, cantos, que nos remete muito ao cordel, e algumas manifestações da cultura popular nordestina como os aboios, cantigas de reisados e toadas de vaqueiro. Entre as muitas transições narrativas, Samuel construiu uma luz que vem como um gatilho interpretativo para compor o “auto” e dar liberdade a imaginação do público.
Sua crítica social segue num tom dramático e, por vezes, debochado, que faz da interpretação de Alexandre Guimarães uma preciosidade dinâmica, física e cruel ao dar voz à sete personagens. Com a preparação vocal de Nazaré Sodré e a preparação corporal de Agrinez Melo, que também assina o figurino, Alexandre nos expõe à uma lúdica ferocidade, a verdadeira fome de viver, amar e em troca ser.
Sem trilha sonora, sem um “cenário”, usando apenas as poucas peças de figurino, objetos cênicos e a maquiagem, criada por Vinicius Vieira, Alexandre conduz a volta da exuberância expressionista do teatro físico, bem marcado, construído em cima de sua verdadeira e genuína capacidade de interpretação. Não importa se ele é o Antônio, a Nicinha, o próprio boi ou qualquer outro personagem, seu tom de dramatização é um primoroso deleite. Principalmente para aqueles que conhecem o sertão, o interior, e suas nuances culturais.
Embora seja um espetáculo simples, a produção teve a ousadia de insistir na realização de uma peça onde não costuma ser a primeira escolha do público carioca, entrando em cartaz num teatro não tão “barato” ou de “fácil” acesso, sem incentivo cultural e sendo apresentado em dias que normalmente não temos uma grande procura para entretenimento. Desbancando categoricamente peças com globais, “O Açougueiro” é um dos melhores espetáculos teatrais visto em 2016. Por tanto, aproveitem e vejam o teatro em sua melhor forma: nu, cru e sincero. Merda e fortíssimos aplausos aos envolvidos.
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Boa tarde Paulo!
Grata pela crítica, nós do grupo O Poste (Naná,Agri e Samuca) estamos muito felizes com a passagem de O Açougueiro pelo Rio. Um abraço. E sim…a construção vocal é um deleite.
Naná Sodré
O Açougueiro é incrível. “Quando eu crescer” quero fazer espetáculos assim! hahahaha
Merda galera!