Piscando para existir
Imagine ser um profissional conceituado, com uma rotina dinâmica e até mesmo dotada de um certo glamour, e subitamente encontrar-se encarcerado dentro de seu próprio corpo.
Isso aconteceu a Jean-Dominique Bauby, editor chefe da revista Elle, aos 42 anos de idade. Um AVC o deixou inteiramente paralisado e sem fala, sobrando-lhe apenas um olho para poder se comunicar.
A abertura do filme é irônica e melancólica. Imagens de radiografias se sucedem ao som de “La mer”, um clássico francês na voz de Charles Trénet. Em seguida, o espectador é convidado a se sentir tão aflito quanto Jean-Do: as imagens são feitas a partir do ponto de vista dele, que acaba de abrir os olhos depois de um coma de três semanas. Igualmente angustiante é o momento em que um médico dotado de pouca sensibilidade comenta sobre o prazer de ter esquiado nas férias, para em seguida costurar um olho sem irrigação: não vemos a sutura pelo ponto de vista do médico e sim do paciente: um espaço de visão que vai progressivamente se fechando.
Duas beldades se encarregam de tentar algum progresso para o estado de Jean-Do: Henriette (Marie-Josée Croze), fonoaudióloga, e Marie (Olatz López Garmendia), fisioterapeuta. A escolha das atrizes não foi por acaso: as duas são extremamente belas. Marie tem uma sensualidade marcante e chega a ser torturante para Jean-Do quando mostra os exercícios que deve fazer com a língua para que possa aprender a engolir; Henriette propõe o uso do alfabeto em uma ordem especial para que ele possa se comunicar: ela diz letra por letra e ele deve piscar uma vez para cada letra escolhida. Um processo exaustivo e aparentemente desanimador, mas com resultado surpreendente: o filme, com roteiro de Ronald Harwood, é uma adaptação do livro autobiográfico que Jean-Do escreveu desta forma.
Pelo próprio estado de impotência do personagem – que não é apenas sexual – o diretor Julian Schnabel optou por enfatizar bastante a beleza feminina, mas sem resvalar para o vulgar. A câmera sempre passeia por bocas, olhos, pernas, cabelos esvoaçantes. Celine (Emmanuelle Seigner), ex-esposa de Jean-Do e mãe de seus filhos, é uma presença forte e meiga ao mesmo tempo, ressentida da atual mulher, que não teve coragem de aparecer no hospital. Outra personagem significativa é Claude (Anne Consigny), que pacientemente faz as anotações para o livro de Jean-Do.
“Eu decidi parar de ter pena de mim mesmo. Além do meu olho, duas coisas não estavam paralisadas: minha imaginação e minha memória. Eram as duas maneiras de poder escapar do meu escafandro.”
O filme utiliza muito bem o recurso de imagens simbólicas, a começar pelas presentes no título: o escafandro submerso representando o encarceramento do personagem; a borboleta saindo do casulo representando a liberdade da imaginação; geleiras que desmoronam como a realidade do protagonista; o enorme olho que ocupa a tela quase se tornando um personagem autônomo. Além disso, a bela fotografia explora o cenário um tanto solitário dos arredores do hospital, a praia em que as crianças brincam no Dia dos Pais, as viagens na estrada. A trilha sonora tem um papel forte ao longo de todo o filme, sublinhando imagens impactantes ou simplesmente poéticas. Um excelente trabalho de Paul Cantelon.
Finalmente, importante destacar a participação de Max Von Sydow como Papinou. A relação pai e filho é mostrada através de uma atividade aparentemente cotidiana mas significativa, enquanto ambos comentam sobre a vida – vida que para o filho terminaria dez dias após a publicação do livro que deu origem ao longa.
“O escafandro e a borboleta” é um filme que pode gerar certa angústia quando lembramos que se trata de uma história real; mas é belamente construído com imagens, sons e palavras que o transformam em uma obra que vale a pena ser vista.
https://www.youtube.com/watch?v=N4yY1yedPEc
Neuza Rodrigues
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Amo esse filme, é lindo demais. E o que é esse ator? Sou apaixonada.