Quando falamos sobre “Colossal”, fizemos questão de ressaltar como a fábula em filmes de fantasia, principalmente a subversão de suas convenções, tem o potencial de dizer muito sobre nós. No filme de Nacho Vigalondo, nosso caos particular pode virar um monstro gigante que ataca metrópoles. Já o ganho repentino de superpoderes não significa a formação automática de super-heróis, pelo contrário. Se nossa vida é ordinária, porque o uso dessas habilidades não seria? É o que coloca à mesa “Poder Sem Limites” (2012), um olhar subversivo sobre o gênero que hoje em dia é a galinha dos ovos de ouro de Hollywood.
Em termos de premissa, o filme de estreia de Josh Trank não perde para os dramas que lemos nas histórias em quadrinhos. Fruto de uma família disfuncional, Andrew Detmer (Dane DeHaan) é um adolescente deslocado, que não só sofre com a doença da mãe, mas também tem que enfrentar os abusos do pai alcoólatra, que mal consegue bancar os gastos do tratamento da esposa. Tendo seu primo Max (Alex Russell) como algo mais próximo de um amigo, sua vida muda após os dois, junto com o popular Steve (Michael B. Jordan), entrarem em contato com um cristal misterioso dentro de uma cratera. Adquirindo habilidades sobre-humanas o trio terá que aprender não só como controlá-las, mas também a lidar com suas consequências.
Entretanto, uma primeira escolha no roteiro assinado por Trank e Max Landis é determinante para o desvio do caminho tradicional por onde vai a narrativa: o protagonista quer documentar seu cotidiano em vídeo. Propondo-se a desenvolver a trama através dos registros, em boa parte do tempo, capturados pelas lentes de Andrew, o projeto dá seus primeiros passos na contramão do que seria um filme sobre adolescentes superpoderosos; o longa não quer construir uma jornada do banal rumo ao fantástico, mas o funcionamento do fantástico na lógica do banal.
Priorizando um senso de realidade, materializado em sua estética e manifesto em seu enredo, aqui não temos os uniformes dos X-Men, nem o altruísmo de Peter Parker. Andrew, Max e Steve são garotos comuns que fazem o que qualquer jovem faria se descobrisse que pode voar e controlar objetos com a força da mente. Eles não pensam de fato em suas habilidades como algo que possa salvar a humanidade, mas sim como uma característica a mais no seu dia a dia que pode ser usada para se divertir pregando peças em estranhos e como meio de melhoria da vida social. “Matt, você já pensou em fazer algo mais com isso?”, questiona seu primo. “Na verdade, não”, é a resposta.
Corajoso em contar essa história através do found-footage, técnica que tem sofrido um desgaste grande nos últimos anos já que o baixo custo de produção atrai realizadores preguiçosos, o cineasta estreante impressiona ao fazer com que o método esteja a serviço da narrativa. Trazendo um frescor para a linguagem aperfeiçoada 13 anos antes por “A Bruxa de Blair” (1999), aqui a câmera é afetada pelos poderes dos personagens, criando planos que não seriam possíveis caso fosse uma pessoa qualquer a manipulando. Com inteligência, acompanhamos os três deitados conversando enquanto o dispositivo levita ou se mantém suspenso quando batem papo no alto de arranha-céus em Seattle, sem nunca comprometer seu tom documental.
Porém, mesmo que perspicaz, o diretor infelizmente não consegue dominar o recurso por completo. Optando por uma perspectiva que muda segundo câmeras que surgem, em muitos momentos, apenas para cobrir a ausência do protagonista – a personagem interpretada por Ashley Hinshaw parece que existe só para esse fim -, a ideia é bem conduzida nos dois primeiros atos, mas parece perder o controle em sua parte final. Com registros de câmeras de vigilância e de celulares dos transeuntes que acompanham o clímax da trama, a troca de dispositivos fica tão frenética, que chega ao ponto de não conseguirmos mais distinguir de onde a imagem está sendo captada.
Já se o roteiro tem méritos ao criar um conflito crível entre personagens bem desenvolvidos – DeHaan tem cuidado ao compor um adolescente que descobre seu potencial destrutivo -, a forma como a cena final é construída é pobre ao ser super expositiva, quando teria mais impacto se privilegiasse a sugestão.
Competente, “Poder Sem Limites” é um bem-vindo exercício de gênero, que se faz mais que necessário em uma época inchada de filmes de super-heróis medianos feitos em uma linha de produção em massa. Um olhar novo e um pouco de criatividade, no meio dessa claustrofobia de capa e collant, sempre caem bem.
https://www.youtube.com/watch?v=BizDhCQjxE8
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