Red: Crescer é uma Fera é o mais novo filme da Pixar, que, devido a pandemia, teve seu lançamento dia 11 de março, exclusivo pelo streaming do Disney+ em países com o serviço disponível. O longa é o primeiro clássico da companhia dirigido por uma mulher asiática, Domee Shi, ganhadora do Oscar de melhor curta animado em 2018 por Bao, e ao que isso pode soar (e soou) para alguns críticos como uma narrativa muito setorizada, é justamente o contrário do que se vê em mais um acerto já esperado para os mais renomados estúdios no ramo.
De volta aos anos 2000
Logo após o retorno dos 90’s, a bola da vez está com os anos 2000. Em Red, a estética da década está espalhada por todo lugar, desde as roupas, passando pelos brinquedos, tecnologia e principalmente o auge da febre pelas boybands. Nesse microcosmo de 2002, a carismática protagonista Mei vive em negação. Ao que afirma que agora, com 13 anos, possui plenas liberdades, ela não consegue confrontar a autoridade familiar: Uma típica e rígida família de imigrantes chineses, especificamente cantoneses.
Alguém que teve apenas contato com a premissa talvez tenha um conflito interno por antecipação, afinal, uma família controladora e exigente do oeste asiático não é nem algo novo e tampouco algo que todas as famílias estão habituadas, justamente por não se relacionarem com essa origem. No entanto, Red não só consegue capturar o espírito de sua época brilhantemente como trazer de forma leve, natural e responsável temas atualmente relevantes, como ansiedade e construção identitária — o que não se restringe à minorias – e esse trabalho se deve à já citada Domee Shi e à roteirista, Julia Cho. A caracterização, que não é o foco do filme, vem sendo uma das principais críticas ao longa, o que, por irônico que seja, costuma cair em uma noção deturpada, até racista, sobre estereótipos de representação amarela, de modo costumeiro associados ao “exótico”.
[…] “O fato que a avó de Mei tem uma cena introdutória sombria que você esperaria de um líder mafioso de um filme gângster, e que essas mulheres compartilham uma angústia pelo panda vermelho, significa que caem na mesma fórmula de mulheres asiáticas frias e sem emoção.” […]
[…] “esses detalhes não são o suficiente para absolver o filme de ser uma versão de exoticismo voltada às crianças”.
Fragmento traduzido da crítica de Maya Phillips para o The New York Times.
Antes de embarcar no principal êxito do filme, é curioso notar que pouco se repercutiu a respeito da ousadia da Pixar, tão voltada à família, porém historicamente vanguardista, em usar termos e palavras mais delicadas, que em outros tempos seriam interditos, e isso não deve passar despercebido aos ouvidos dos mais velhos. É o caso de “sexy, freak, crap, perv” no idioma original. Essa decisão, no entanto, não afeta a classificação indicativa, que permanece de maneira justa em “livre”.
E se as pessoas tivessem traumas familiares?
No passado a Pixar foi criticada pela estrutura abertamente formulaica e comercial, o que tornaria seus filmes previsíveis e monótonos — é a chamada “estrutura Pixar”. Deixando de lado as distintas opiniões que o público, tão heterogêneo, possa ter, em Red ela se faz novamente presente, mais ou menos perceptível de acordo com o momento da narrativa.
Carros, robôs, insetos, ratos, mexicanos e italianos com sentimentos. Isso pode ter se tornado uma piada outrora, mas se é possível traçar uma tendência nos filmes recentes da Disney, capazes de fazer nascer empatia até por uma torradeira, é que mais e mais a saúde mental vem sido abordada pela produtora, ainda que pela tangente. Sendo ou não consciente, é uma estratégia que vem se provado eficiente, com a prevalência crescente de depressão e ansiedade, principalmente em jovens. Se um diretor quer que o público se enxergue, por que não trazer essas questões para as telinhas? É o caso de Soul, Encanto, através da personagem Luiza, e agora Red, com mais uma família mergulhada em trauma geracional.
Ao que os primeiros minutos de filme caminham a indicar uma alegoria direta à puberdade, o desenvolver da trama demole os prejulgamentos da plateia em favor de novas possibilidades: Red não é uma metáfora para as transformações biopsíquicas nuas e cruas, mas uma readaptação dos outros incontáveis clássicos que tratam sobre a necessidade de crescer (Hércules, A Pequena Sereia, Luca, Valente, etc.), associado a construção identidade de cada um — o que por sua vez retorna à síndrome de ninho vazio, somente abordada pela Pixar em Bao (2018), da mesma diretora.
Impecável como sempre, ou ao menos quase.
Mencionar Disney, Pixar e Ghibli quando o assunto é animação é falar de excelência, e em Red isso não é diferente. O trabalho de animação e storyboard são outra vez mais um acerto daqueles da gigante da indústria, que criou um ambiente familiar e de fácil reconhecimento, mesmo para aqueles que não foram pré-adolescentes na Toronto de 2002. Exemplos disso? O estilo que flerta com os expressivos olhos de anime, ou quem sabe a trilha que grita boyband dos anos 2000, por acaso escrita por Billie Eilish e Finneas, o que é impersonado pela banda fictícia “4*TOWN”.
Integram também no elenco outros nomes conhecidos, tais como a genial Sandra Oh e Maitreyi Ramakrishnan, a Devi de Eu Nunca.
De modo geral, foi excepcionalmente muita pesquisa para chegar ao resultado final, que deveria ser o mais acurado e respeitoso possível. A narrativa é interessante, emociona e deve conversar com todas as faixas etárias e públicos, o que já é esperado principalmente da Pixar. O ritmo convence e é agradável, mas “peca” ao oferecer algo menos eletrizante, o que não o torna um filme ruim, apenas surge enquanto um fator destoante, sobretudo após o lançamento de Viva – A Vida É uma Festa, capaz de abater o mais insensível dos espectadores. Sejam quais as comparações que sejam feitas, tratam-se de filmes e propostas diferentes — e Turning Red, junto com uma nova onda de animações da Disney, deixa ao estúdio um importante legado sobre narrativas relevantes ao contemporâneo — e muito suavemente experimentais — porém, sem nunca deixarem de ser universais.
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