Sandman é o assunto do mês, e não é exagero dessa vez, garante o indigníssimo autor que vos fala. Com uma adaptação fiel ao aclamado original dos anos 80, espere passar um bom tempo digerindo o que acabou de assistir. A crítica abaixo sobre a primeira temporada não contém spoilers.
Seus olhos me contarão tudo
Meio a qualquer sentimento de “mais do mesmo” que o assinante da Netflix possa ter a respeito das produções, originais ou licenciadas, do catálogo, Sandman é um oásis no deserto para quem procura algo novo. É claro que a cada semana algum fã ou crítico irá reclamar determinado filme/série como inovador e revolucionário — beijo, Isabela Boscov! — mas Sandman merece um pouco de crédito.
Do original, uma das HQs mais influentes da história, Sandman passou anos engavetada até o momento em que fosse possibilitada uma adaptação fiel ao material original. O que se vê como resultado final é uma demonstração de amor pelo próprio trabalho
A respeito de algumas críticas na alteração de personagens, as quais seja por direito do autor (Jenna Coleman como Constantine), ou adaptação para 2022, cabíveis e que mantêm a experiência e espírito disruptivo do original, fica mais um elogio à toda produção, que foi capaz de tratar com sensibilidade a reflexão de Gaiman.
Traga-me um sonho…
Não só fiel, mas também de encher os olhos. Sandman é sombria quando deve e encanta (para o bem como para o mal) com as paisagens mais belas, na extravagância (episódio 4) ou simplicidade (o sonho de Rachel, episódio 3). Mas não deixe que essa fascinação te deslumbre e acabe perdendo o simbolismo de vista.
De modo geral, as atuações são outro ponto alto da série. Com a exceção de um caso, que será abordado mais abaixo, o elenco se dá muito bem em se mostrar convincente, com algum ruído na “segunda parte”, que se deve não à atuação, mas ao screenplay que ficou prejudicado.
Essencialmente, é uma produção para todos os públicos adultos — detalhe na última palavra: Sandman NÃO é para menores. A série oferece belas reflexões, e não é preciso ser um pretensioso cinéfilo amante de cinema belga dos anos 50 para gostar da obra, mas é claro que elas tornam tudo mais especial e contam para a construção final da série. Não precisa ter medo de se jogar e permitir — com o perdão do trocadilho — sonhar.
Que poder têm os sonhos no inferno?
Em uma olhada rápida pela internet não seria difícil constatar a popularidade retumbante da primeira metade — especificamente os primeiros seis episódios — sobre a segunda. O principal problema de Sandman é um rompimento consigo mesmo; há na superfície duas jornadas bem delimitadas, a primeira muito mais interessante que a segunda.
Frente a uma perda de rumo repentina, o sentimento que o telespectador tem é uma agridoce desolação, em parte programada no roteiro — contudo, o aparente motivo artístico não funciona infalivelmente como transição, embora seja um belíssimo fechamento de arco. Já para os familiarizados com a Comic, talvez falte um quê de provocação que o original em quadrinhos é tão excepcional.
Isso não quer dizer, de forma alguma, que a série tenha se perdido ou deturpado a essência da comic, muito pelo contrário. Fazer uma adaptação é também um trabalho de recriação, e nisso Sandman não decepciona. Também não se pode perder de vista que Neil Gaiman acompanhou a produção de perto, sempre sendo ele alguém extremamente dedicado para que suas obras não percam o espírito — às vezes até chegando às últimas consequências…
Outra dissonância está nas escolhas da produção do papel de Lúcifer. Apesar da não escalação de Tom Ellis para a versão ser algo inteligente, Gwendoline Christie não está em sua melhor forma — seja pela caracterização (faltou androginia!), mas sobretudo atuação, que transparece vulnerabilidade, até algo maternal — há um desperdício de um personagem tão forte e enigmático. Mas… valeu a releitura.
Já feitas as críticas à segunda metade, o gancho feito ao final, embora satisfatório, deixa um sentimento de preocupação de como será possível segurar cenas, tão ousadas, que estão por vir com uma cara de constipação por parte de parcela do elenco do inferno. Fica a expectativa.
Mas… vale a pena?
Como conclusão, Sandman é o título que definitivamente o assinante da Netflix não pode perder. Seja qual for a predileção do usuário, ou receio diante do hype, assistir sem expectativas é a promessa para uma maratona garantida com algo diferente, inspirador e leve — uma revisão despretensiosa sobre nossa mortalidade. Confiem e ouçam a palavra do Sr. Gaiman.
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