Atenção: Essa crítica pode conter spoilers.
O último filme dirigido e escrito por Martin Scorsese – escrito também por Jay Cocks – é baseado no romance de um japonês na verdade, Shusaku Endo (1923-1996), um dos maiores escritores da terra do sol nascente. Os protagonistas são Andrew Garfield, Adam Driver e Liam Neeson. O primeiro deles já vem como o campeão do cristianismo por seu último filme de Mel Gibson, “Até o último homem” e de uma mesma maneira procura manter a coroa de espinhos de pé neste filme.
“Silêncio” narra a vida de dois jovens padres portugueses, Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupe (Adam Driver), que vão em busca de seu mentor no Japão do século XVII, onde os cristãos estão sendo torturados e mortos e não se tem notícia dele, padre Ferreira (Liam Neeson).
Nas quase três horas de filme – com uma edição sofrível por partes -, Liam Neeson mal aparece, mas pelo menos suas impressões são marcantes e seu papel muito importante, ainda que muito contraditório perto do fim. De alguma maneira, nele, as contradições humanas o tornam mais real do que o papel que Andrew Garfield representa. O personagem deste é muito inocente – assim como em “Até o último homem” – e parece ser isso que atrai os fiéis de certa forma: ingenuidade da fé, ainda que não com todas as palavras.
No entanto, a ingenuidade é também política e por muitas vezes até ignorante. Seu papel acusa o Japão de ser pobre porque é budista, ignorando completamente o fato de que a Europa também tem pobreza. Sem contar que acabava de sair da Idade Média, tirando qualquer crédito de crítica ao que os japoneses estavam fazendo aos “infiéis”.
O discurso do filme é incrivelmente fraco, sendo difícil acreditar que quem o escreveu foi realmente alguém inserido na cultura japonesa. Mostra a cegueira dos padres em relação a este novo mundo, até a desistência na fé de alguma maneira, mas não do “caráter”. Porém, em momentos quase que esquizofrênicos, aparece por duas vezes discursos pró-budistas e simplesmente destroem qualquer mal-entendido sobre essa filosofia e, ainda, em poucas palavras mostra sua superioridade em relação a própria vida que o cristianismo não oferece no filme.
Para o fim, há uma análise sociológica, psicológica e cultural da impossibilidade de se implantar o cristianismo no Japão. Em outras palavras, que estão tão aprofundados em certo modo de pensar que aceitariam, sim, o cristianismo e, no entanto, seria um completamente distinto daquele ensinado.
Todavia, no fundo, não há tempo para esse discurso se aprofundar e destruir de vez a ideia do cristianismo no Japão. O que se sucede é uma loucura de lutar uma batalha perdida ao custo da população pobre e ignorante de sua condição.
Se tomarmos Nietzsche, veríamos que em sua condição de impotência e fraqueza, os pobres assumem o cristianismo para valorizar seu estado que não escolheram. Ou seja, é uma valorização da própria desgraça como uma forma de desespero. Assim, se valoriza a vida pobre e critica-se a vida rica; se nega a vida real e começa-se a viver apenas para o ultra-mundo, o além. Acredita-se na alma imortal somente para que isso se complete a vida eterna, que é sua única riqueza, sua única promessa e esperança de uma vida melhor. Isto é, sua vida melhor é, ainda, na própria morte.
Por fim, quando nos parece que ambos os padres entenderam as questões sociais envolvidas ali no Japão, mostram como a fé ignora qualquer razão lhes apresentada e, ao final, o filme simplesmente desiste por completo de um discurso minimamente coerente para dar voz (off) a um ídolo que padre Rodrigues leva misteriosamente à sua própria cremação.
Por Paulo Abe
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