Na caminhonete do protagonista de “A Terra Vermelha”, um adesivo em suas portas informa: “Rio Alto Uruguai – Nós somos o progresso”. O veículo em questão pertence a uma multinacional da indústria madeireira, cujos métodos de produção, aos olhos do mercado, podem representar avanço, mas que caminham manchados do sangue de milhares. Sangue dos que morrem por suas técnicas tóxicas, sangue dos que são assassinados para manutenção do poder, sangue que infiltra seu solo, rubro.
É sob essa perspectiva, que o cineasta argentino, Diego Martínez Vignatti, estabelece a temática de seu último projeto que chega às telas brasileiras nesta quinta-feira (29). Na trama, o estrangeiro Pierre (Geert Van Rampelberg) é capataz dessa empresa que extrai madeira em um vilarejo na província de Misiones, na Argentina, coordena o time de rúgbi local e é apaixonado por Ana (Eugenia Ramírez), professora que alfabetiza a população do lugar, cuja vida gira entorno das atividades da madeireira.
A educadora, por sua vez, trabalha com Balza (Enrique Piñyeiro), médico da região que através de suas pesquisas consegue comprovar que o uso de agrotóxicos é o grande responsável pelas doenças, crônicas e hereditárias, que acometem moradores. Dessa confirmação, Pierre terá que lidar com a revolta dos locais contra a instituição, em que um dos líderes é a sua namorada, tendo, assim, que enfrentar a letalidade que acompanha seu ofício.
Sobre essa questão os dados são preocupantes: só no Brasil, para cada intoxicação por agrotóxico notificada, há 50 não notificadas, é o que informa o Ministério da Saúde. De 2007 a 2011 foram registrados 23.385 casos de intoxicação do produto de uso agrícola, sendo 39,4% dos óbitos causados por ele, segundo os dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). É um tema alarmante, pouquíssimo discutido, mas que Vignatti consegue abordar com consistência em uma obra de ficção.
Adotando um tom documental, adequado a seu ponto de vista político, o diretor, acertadamente, investe no senso de realidade. Com a câmera na mão e cortes secos – ora com rapidez, dando o tom para os momentos de ação, ora com economia, privilégio dos planos longos – acompanhamos os desenrolar dos conflitos. Conhecido por seu trabalho como fotógrafo, ele consegue evocar a imponência da natureza, a força da terra, da floresta, das águas, personagens também prejudicados pela intervenção humana, o que é muito bem lembrado nos segundos finais do longa.
Mesmo com algumas pontas soltas, é difícil não ficar indiferente às situações amarradas pelo roteiro escrito a seis mãos por Melanie Delloye, Nicolás Saad e pelo próprio Diego Martínez Vignatti. Por traz do romance à Romeu e Julieta entre Pierre e Ana, há uma realidade dura, pouco visível e o texto tem mérito na forma de como apresenta para o público a guerra possível por traz das substâncias tóxicas naturalizadas na produção agrícola. “Vocês façam política, Ana. Nós estamos em guerra”, é enfático um dos moradores.
O uso do rúgbi talvez seja umas de suas grandes bolas fora, já que não tem função alguma que não compor a personalidade do protagonista. Mesmo assim, é interessante como o jogo final, de forma sutil, rima com as conquistas, mesmo que poucas, dos aldeões. “A luta continua”, refletem os jogadores.
Não conseguindo escapar de uma aura de didatismo, mesmo que apele dentro do aceitável à exposição, “A Terra Vermelha” é um filme árido e necessário. É preciso forçar nosso olhar: vivendo no meio urbano, nós nos blindamos, enxergamos o campo quase como um planeta distante, esquecemo-nos de que as escolhas das grandes empresas monocultoras também chegam todos os dias nos nossos pratos.
Nas escolas aprendemos sobre a terra roxa, terra avermelhada, terra fértil, etc. Só não sabemos que ela também pode ser úmida de sangue.
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