A premiadíssima peça “Tom na Fazenda” retorna aos palcos cariocas trazendo um tema atemporal, mas que está mais vivo do que nunca num Brasil que ensaia uma mudança de ares após quatro anos de um governo fascista. Nesses tempos, a repressão sobre os corpos gays resulta em histórias de resistência e também de apagamento.
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O texto do canadense Michel Marc Bouchard, aqui traduzido, idealizado, produzido e protagonizado pelo ator Armando Babaioff, evoca o segredo como instrumento de dominação e repressão da sexualidade divergente do padrão conservador. Na história, Tom vai até a fazenda da família de seu namorado que acaba de falecer. Lá chegando encontra a mãe (Soraya Ravenle) e o irmão Francis (Gustavo Rodrigues) do falecido. E descobre que é, ele mesmo, um dos segredos, já que nenhum dos dois ouvira falar dele anteriormente.
A partir disso, Tom se vê obrigado pelo violento Francis a manter segredo sobre a sexualidade da mãe, para protegê-la dessa realidade. Essa é a beleza do roteiro: a sucessão de segredos que se apresentam aos poucos entram em uma trilha de mentiras. Tom então se vê preso naquele lugar, se sujeitando a todo tipo de tortura física e psicológica realizada por Francis. Outro ponto de destaque do roteiro é que demanda atenção plena do espectador, visto que os pensamentos de Tom são narrados entre os diálogos com os outros personagens.
Atuações viscerais encontram cenário minimalista e opressor
A genialidade do roteiro é elevada à máxima potência pela visceralidade das atuações. O Tom da cidade grande de Babaioff vai se esvaindo num caminho de altos e baixos. Transita entre a vivência do luto e momentos de inteira insanidade diante de sua incapacidade de resistir a uma realidade opressora. Já Gustavo Rodrigues encarna muito bem o boiadeiro que não usa perfume, se entregando a toda tirania que a masculinidade tóxica é capaz de exercer, ao mesmo tempo em que questiona sua própria sexualidade com a crescente tensão entre ele e Francis e Tom.
Nessa temporada, Soraya Ravenle dá vida a uma mãe enlutada que se prende ao ideal de filho que construiu. A todo momento se afasta da realidade, encontrando conforto nas manipulações de Francis. Ela carrega com propriedade o texto, contudo, é no olhar e no gestual que transbordam o vazio deixado por seu filho. Próximo do final, Camila Nhary traz um frescor cômico como a fabricada Ellen. Ela contraditoriamente vem jogar uma pá de cal na situação ilusória em que Francis, Tom e sua mãe estão.
Toda essa potência dramática é amplificada pela grandeza minimalista da cenografia de Aurora de Campos. Poucos objetos rodeados por lama refletem o cotidiano fragmentado de uma fazenda de preconceitos. Além disso, à medida em que Tom e Francis se entrelaçam e são envolvidos pela lama, palco e corpo se tornam um só. O único ponto negativo aqui não diz respeito ao trabalho de cenografia nem de direção, mas da estrutura do teatro. As cadeiras são todas no mesmo nível e altura do palco é baixa, o que por muitas vezes tira a cena dos olhos de quem está mais atrás. Talvez um teatro de arena tornasse a experiência ainda mais sensorial.
Por fim, há de ressaltar a competência de Rodrigo Portella na direção do espetáculo que conquista cada vez mais prêmios e o público, mesmo após cinco anos em cartaz de forma independente. “Tom na Fazenda” é uma carta de amor aos que resistem e persistem. Tal como faz o teatro no Brasil.
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