Quanto mais amadurecemos e assumimos responsabilidades, nosso tempo parece diminuir e dependendo do quão cheio é o seu dia, 24 horas podem parecer menos do que duas, esse é o caso de Anna, personagem principal do filme húngaro “Egy nap” ou “Um Dia”, dirigido por Zsófia Szilágyi que também é co-roteirista com Réka Mán-Várhegyi. Na trama acompanhamos um dia em sua vida, onde, além de lidar com seus quatro filhos, trabalho, contas, também lida com a traição de seu marido com Gabi, uma de suas amigas.
A luta contra o relógio é constante e jamais deixa de ser representada, está ali no título, com uma de suas letras movendo-se em sentido horário, presente no som do relógio do painel do carro, servindo como uma espécie de cronômetro, além de representações mais óbvias como alguns relógios espalhados pelo cenário com a função de situar o espectador sobre qual período do dia está sendo mostrado.
Sua montagem com frequente uso de jump cuts, cortes secos que dividem um plano em dois ou mais, usados na manipulação temporal de um filme (muito presente na internet no formato dos “vlogs”, normalmente com a intenção de diminuir pausas entre as falas), aqui está como mais um lembrete da opressão do tempo sobre a rotina da personagem, parar não é uma opção e se Anna quer descansar por um breve momento, tem que fazer isso durante o trajeto no transporte público, se quer ouvir uma música, tem que ouvir enquanto dirige levando os filhos para suas atividades extracurriculares, o pouco espaço que tem para pensar nos problemas conjugais é constantemente invadido pela necessidade de ampará-los.
A instabilidade, tanto emocional como os pequenos conflitos e mal entendidos do cotidiano, ganham mais intensidade pela opção da direção no uso da câmera na mão, que confere à produção, em certos momentos, uma estética documental que é reforçada pela fotografia, que opta por luzes mais naturais que conversam com o caráter mundano do enredo, já em outros, lembra alguns filmes de ação mas em vez de perseguições e tiroteios, aqui temos discussões no trânsito e a tentativa de vestir as filhas o mais rápido possível para o balé.
Pequenos momentos sutis da parte sonora são usados como um reforço para o conflito que está acontecendo na cena, como o barulho de um copo batendo na mesa que fica mais alto ao decorrer de uma curta discussão, ou o barulho do trânsito que faz-se mais presente dentro do carro a medida que Anna chama a atenção de seu filho mais velho, a sutileza também está nos pequenos gestos e olhares preocupados, que a atriz Zsófia Szamosi dá a personagem, preferindo uma atuação mais contida e evitando o dramalhão, sem deixar de transparecer a preocupação em cumprir todas as suas tarefas, passando pelo afeto com suas crianças e chegando ao ressentimento pelo adultério.
Quem procura um filme com grandes confrontações entre personagens, monólogos emotivos de afirmação ou cenas expansivas com emoções à flor da pele talvez se decepcione, principalmente com a resolução, aqui a demonstração clara de algumas emoções é um privilégio das crianças e o mundo adulto parece, corrido, distante, claustrofóbico e por muitas vezes indiferente, um exemplo é o diálogo entre Anna e um colega de trabalho, onde o sujeito encara a traição que ela sofreu como uma trivialidade, segundo ele, algo esperado devido ao tempo do seu relacionamento. Porém, é inegável, o longa mantém-se fiel a sua proposta até o último frame e trabalha todos os elementos de sua narrativa para que no final tenhamos vivenciado junto com Anna todas as suas conturbadas 24 horas em menos de duas.
Por Augusto Dias
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