É quase redundante mencionar a excelência do cinema iraniano, visto que há anos ele tem encantado a audiência global. Como resultado, a demanda por mais obras cinematográficas oriundas do país permanece inabalável entre os apreciadores da sétima arte, notadamente em eventos como a Mostra de São Paulo. Nesse contexto, vale ressaltar que a 47ª edição do festival paulista apresenta algumas produções iranianas, das quais já tive o privilégio de apreciar uma: “Uma Vila Sem Filhos”. A obra de Reza Jamali narra a saga de um cineasta que, em um passado remoto, produziu um filme abordando a questão da infertilidade nas mulheres de uma pequena aldeia. Agora, ele se vê compelido a criar uma nova obra, como forma de redenção, uma vez que veio à tona a verdade de que os homens locais eram os estéreis, apesar de todo o infortúnio infligido às mulheres.
Jamali imprime em sua obra uma clara influência de Jafar Panahi, valendo-se de atores amadores e priorizando uma narrativa rica em diálogos que explicitam os conflitos entre os personagens. Seu estilo cinematográfico compartilha semelhanças com o aclamado Panahi, ao optar por uma câmera imóvel, funcionando como uma observadora silente durante as cenas que registram os depoimentos das mulheres cujas vidas foram prejudicadas devido à culpa imposta a elas pela falta de crianças na aldeia. Em resumo, a denúncia aqui ecoa o tema presente em grande parte das produções iranianas: a opressão das mulheres por uma sociedade patriarcal e misógina. A única discrepância notável entre “Uma Vila Sem Filhos” e os filmes de Panahi é o tom. Enquanto o diretor consagrado preenche seus roteiros com tensão e dramatismo, Jamali prefere uma atmosfera mais amena, pontuada por momentos cômicos.
É na comédia contida, mas sempre presente, que reside a essência de “Uma Vila Sem Filhos”, sobretudo quando o personagem de Behrouz Allahverdizadeh entra em cena. Ele desempenha o papel de assistente de direção no novo filme sobre os homens da aldeia e é encarregado de operar a claquete. No entanto, ele não se restringe apenas a marcar as cenas; frequentemente, assume o controle da produção, emitindo ordens aos demais e zombando das situações, que poderiam ser retratadas de forma mais solene pelo verdadeiro diretor. Este último é frequentemente mostrado realizando gestos teatrais com as mãos para indicar os enquadramentos, em um retrato estereotipado do diretor de cinema, que orienta a equipe de filmagem em relação à composição de cada cena. Enquanto isso, as risadas de Allahverdizadeh, desprovidas de dentes, são frequentemente capturadas em close-up, como se tudo o que ele testemunhasse fosse tão absurdo que não merecesse ser levado a sério.
Sim, o sarcasmo também pode servir como uma forma de denúncia, e neste filme iraniano conciso, com apenas uma hora e vinte minutos de duração, a mensagem é habilmente elaborada e comunicada. Infelizmente, após os momentos de hilaridade, o espectador se dá conta da gravidade da situação que testemunhou e de como o gênero feminino é sistematicamente culpabilizado por todas as desgraças do Irã, enquanto a nação protege e encobre seus “honrosos homens”, retratados como vítimas de um estado cada vez mais ensimesmado.
Este Filme foi visto durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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