Com elenco cheio de estrelas, “Depois da Caçada” desponta como mais fraco da carreira recente de Guadagnino
E se juntássemos temática de abuso, cultura do cancelamento, e emancipação de minorias em um filme de bricolagem? Parece que, seja lá qual foi o ponto de partida, esse é o caldo cultural que o oscarizado Luca Guadagnino usou para criar “Depois da Caçada” (“After the Hunt”), que estreia no Brasil dia 9 de outubro. Mas, se sobra ousadia (e tempo de duração), o filme deixa um gosto amargo na boca, mas não pelos motivos certos.
No longa, Alma Imhoff (Julia Roberts) é uma professora universitária bem sucedida em Yale, mas vivendo no limite com as cobranças acadêmicas por produtividade enquanto tenta conquistar a estabilidade em sua cátedra. Ao seu lado, Henrik Gibson, ou Hank (Andrew Garfield) é um galanteador colega de profissão, desses que joga a ética profissional para o espaço e dá em cima de todas suas alunas, mas também seu amigo pessoal.
O ponto de partida é uma soirée organizada por Alma em sua casa, chamando amigos da comunidade acadêmica para debater e tomar uns drinques. Entre eles está Margaret Resnick, ou Maggie (Ayo Edebiri), orientanda de Alma e que é incentivada por Hank a compartilhar mais de sua dissertação — e, no meio tempo, engajando em uma discussão sobre meritocracia e perda de espaço pelo homem, cisgênero, branco, heterossexual (vide aparece no trailer).
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A festa acaba e Hank leva Maggie até sua casa. No dia seguinte, a aluna não está presente e nem responde suas mensagens, o que preocupa a professora. É de noite que Alma encontra Maggie na porta sua casa, ensopada pela chuva, querendo uma conversa a sós. Ela revela à orientadora que sofreu um abuso por parte de Hank, contudo a mais velha começa a fazer perguntas à estudante, que se sente desacreditada e vai embora.
E assim a trama se desenrola — não daremos spoilers — com a palavra de um contra o outro e um jogo de interesses, poder, e moral que é muito competente em mostrar o conflito interno pelos olhos de Alma, que vai se afundando cada vez mais na sua relação patológica com o próprio trabalho.
Não é uma trama inédita, talvez você se lembre de “Tár”, indicado ao Oscar em 2022 e com premissa semelhante. O que ocorre aqui, todavia, é uma tentativa bem menos interessante de se explorar a dubiedade frente a temas tão sérios quanto os retratados.
Veja bem: enquanto expressão artística, não devemos nos render ao impulso utilitarista de associar o valor de uma obra àquilo que aborda, tampouco que seus organizadores devam ao público alguma resposta e/ou comentário social ao “mundo externo”. Por fim, é preciso deixar bem claro que uma obra não tem a obrigação de mastigar uma moral da história ao público.
Fosse isso, tudo bem. Quer dizer…
Encarando o momento em que é lançado, com guerras e massacres ocorrendo a torto e a direito, o retorno rompante de ideologias supremacistas/autoritárias desmanchando a ilusão das democracias liberais no mundo, parece até ingênuo e desconectado falar de cultura do cancelamento em 2025, mas quem somos nós para achar alguma coisa?
O grande problema de “Depois da Caçada” não é a esquiva de um comentário político, a tentativa de permanecer em cima do muro e explorar reconciliação política através de uma lente voyeur muito da literal, mas como até esse excelente elenco é posto contra a parede com um guião que os dá falas não raramente duas oitavas acima, transformando-os em caricaturas, arquétipos, e menos em personagens.
Daria para relevar, porém Guadagnino (“Challengers”, “Me Chame Pelo Seu Nome”) está se levando tão a sério que ultrapassa o pretensioso. Não há espaço para sutilezas, as referências filosóficas constroem alegorias baratas com o que se passa em tela, como a encarada de Maggie na estátua de um dos fundadores de Yale. Desse jeito, nem se explora melhor a zona cinza dos personagens (e isso porque o filme dura 2h19m), e frustra os espectadores viciados na esquemática de blockbusters de argumento hermético e com grandes pontos de virada.

O que é uma verdadeira pena, porque vê que se consegue criar uma provocação, contudo isso não basta quando o diretor está só jogando com o viés de confirmação dos espectadores; tentou-se ficar no meio do caminho, não tomar lados, mas até para isso é preciso de finesse. “Ele quebrou o decoro. Mas ela deve ter ficado assim porque foi encurralada sobre o plágio. Mas ele tem histórico. Mas ela é de família privilegiada. Mas ela é queer…”. É sério que tentaram transformar olimpíadas de opressão em filme? Na melhor das hipóteses é ingenuidade, na pior é um argumento muito do rasteiro.
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Um abraço caloroso para Michael Stuhlbarg (“A Forma da Água”, “The Post”), que faz o sempre incrível marido de Alma, Frederik Imhoff e para a saia justa que meteram a pobre Edebiri (mais conhecida pelo papel de destaque em “The Bear”), que mostram que o elenco de peso pode até enganar, ainda mais acompanhado de uma trilha sonora bonitinha, com bossa nova — e que vez ou outra torna impossível de ouvir os diálogos sem legenda — mas bater um tema importante no liquidificador e esperar edits de TikTok operem um milagre não faz bom cinema; não é esse desastre todo, mas está longe de ser essa Coca-Cola toda.
Imagem Destacada: Divulgação/Sony Pictures Brasil

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