Kontinental ‘25 é um reflexão sobre os problemas habitacionais da atualidade
Radu Jude revelou-se um cineasta prolífico nos últimos anos, a ponto de apresentar dois filmes na 49ª Mostra de Cinema de São Paulo: “Drácula”, já anteriormente abordado neste site, e “Kontinental ‘25”. Ambos dialogam ao traçarem críticas sociais contundentes e contemporâneas, além de compartilharem diversos intérpretes em seus elencos. No entanto, diferenciam-se significativamente em termos narrativos, sobretudo na abordagem do humor. Enquanto um recorre ao escatológico, o outro adota uma postura contida, evidenciando o esforço do diretor em evitar a repetição formal, mesmo que o conteúdo orbite em torno de temáticas semelhantes.

“Kontinental ‘25” é o mais comedido, centrando-se em reflexões em detrimento de ações. Sua protagonista é uma mulher consumida pela culpa após o suicídio de um morador de rua sob sua responsabilidade — ela integra uma equipe governamental encarregada de despejar ocupantes de imóveis invadidos. Ao longo da trama, ela relata o episódio a amigos e familiares, quase sempre em lágrimas, buscando nas palavras alheias algum alívio. Contudo, o que encontra com frequência é indiferença, críticas veladas ou conselhos superficiais, típicos da classe média contemporânea, que observa a miséria ao redor e, para mitigar a própria culpa, faz doações pontuais a ONGs ou tenta esquecer tudo assistindo a filmes ou séries na Netflix.
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A crítica social de Jude, portanto, é lançada com precisão. Tal como em “Drácula”, o capitalismo é o alvo, mas enquanto naquele filme há uma multiplicidade de temas, aqui a reflexão se concentra na questão habitacional — na disparidade entre ricos e pobres e na verticalização das cidades modernas, marcada por conjuntos residenciais padronizados e de estética fria. O concreto sobrepõe-se à natureza, esvaziando as paisagens de vitalidade — o que justifica os diversos planos em que Jude exibe edifícios em série, desprovidos de qualquer presença humana. São quase naturezas mortas sem natureza, apenas com a morte.

Como dito, a protagonista busca em vão algum consolo em visitas a amigos, mas também pede ajuda a um padre e tenta esquecer a culpa se embriagando e tendo relações íntimas com um ex-aluno. Suas angústias, no entanto, se intensificam ainda mais quando os filhos e o marido partem em viagem, deixando-a sozinha em um apartamento que, embora tenha atributos agradáveis, revela-se tão desprovido de vida quanto sua própria moradora.
A partir desse ponto até o desfecho do longa, o que se presencia é um vazio existencial moldado por uma lógica mercadológica, na qual os mais favorecidos esperam morrer com certo conforto entre paredes de concreto pré-moldado, enquanto os menos afortunados perecem sem qualquer abrigo, apenas sob as sombras dos imensos e impessoais edifícios residenciais.
Kontinental ‘25 foi visto durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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