Homenageado da 1ª Mostra Periféricos no Foco fala sobre sua trajetória, o poder do cinema periférico e os projetos que vêm pela frente
Se existe uma urgência em dar visibilidade às vozes da periferia, o cineasta Marçal Vianna tem respondido a isso com filmes que incomodam, provocam e acolhem. Natural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Marçal é o homenageado da 1ª Mostra de Cinema Periféricos no Foco — evento que acontece nos dias 16 e 17 de agosto, em Duque de Caxias. E não é por acaso. Sua trajetória já conta com curtas impactantes como “Neguinho”, “Paçoca” e o premiado “Deus Não Deixa”, que colocam em pauta conflitos sociais, identidade, desigualdade e fé — tudo a partir da experiência periférica.
Para Marçal, o cinema é uma ferramenta de discussão. “A partir de acontecimentos cotidianos, a gente pode levantar grandes discussões, né?”, diz. Essa abordagem, segundo ele, não é apenas uma escolha estética, mas uma forma de gerar identificação imediata com o público.
“Situações que acontecem nos meus filmes, como Neguinho e Paçoca, são situações possivelmente banais, que se transformam em grandes discussões sociais.”

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Mais do que apresentar respostas, ele prefere propor perguntas. “Eu também não gosto de dar uma resposta pronta do que é certo, do que é errado. Até porque a vida é muito complexa. Acaba sendo até meio pedante para o realizador falar o que seu filme quis dizer, pois acredito que o filme é do mundo. Não me interessa se (no filme “Paçoca”) o Pedrinho deu paçoca ou não para comprar a eleição, me interessa a discussão diante disso.”
Filmando quase sempre na própria Baixada, Marçal Vianna sente na pele o quanto ainda é raro ver esses territórios representados com afeto. “Ninguém enxerga a Baixada como um lugar cinematográfico, o que é um erro. Nós fomos ensinados a associar que ter uma câmera no centro de Caxias ou no centro de Nova Iguaçu é porque está havendo uma tragédia ou algum evento de denúncia. Nós não fomos ensinados a ver o nosso próprio lugar com carinho ou como um lugar de histórias.”
Ele conta sobre a reação de uma senhora na primeira exibição do filme “Neguinho”, que o abordou emocionada: “ela veio falar comigo que nunca tinha visto Japeri na tela do cinema.” E completa: “Se eu que sou da Baixada, não for contar histórias da Baixada, quem vai contá-las? Esse é o nosso diferencial como realizadores da periferia: falar sobre o que nos atravessa.”
Seu processo criativo também nasce desse lugar de escuta. Marçal está sempre atento ao que acontece ao seu redor. “Sempre estou atento às histórias que vejo nos jornais, na televisão. Às vezes vejo algo que me inspira e já penso no início, meio e fim daquela história. Abro o celular e anoto tudo no bloco de notas.” Para ele, não existe inspiração distante — ela está no cotidiano, nos pequenos absurdos da vida brasileira.
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Em meio à homenagem que irá receber na mostra, ele também se prepara para estrear novos trabalhos. Entre eles está o curta “Nova Iguaçu X Barra”, uma comédia dramática sobre dois amigos que se reencontram anos depois da escola e rediscutem seus caminhos separados pela desigualdade. “É o filme mais leve que já fiz. Tem um pouco mais de humor.” Além dele, Marçal finalizou os curtas “Da Família” — com Mariana Nunes, Gustavo Falcão e Thiago Mendonça no elenco — e “Exú nas Escolas”, estrelado por Elisa Lucinda. “Esse último conta até com personagens de outros filmes meus. Também tenho outros projetos que estou aguardando os resultados, acho importante sempre ter um projeto na gaveta.”
Apesar de tratar de temas densos, o cineasta enxerga leveza na maneira como conta suas histórias. “Eu trato de temas pesados, mas com leveza. O brasileiro tem muito disso: somos um povo agridoce, capaz de rir da própria desgraça. Sou um cineasta de drama, mas tento levar a naturalidade da vida nas minhas histórias.”
Fora das telas, Marçal também atua como educador, e sua preocupação com formação é concreta: está desenvolvendo um curso de cinema voltado para jovens da Baixada, com direito a bolsa-auxílio.
“Quando eu era criança, eu não tinha essa referência de pessoas que trabalhavam com cinema na minha região. A periferia é moldada para exercer um certo tipo de profissão. Eu dou aula para adolescentes e os meninos da minha turma sempre falam que querem ser militares, mas será que eles realmente querem isso ou só não possuem outras referências para se espelhar?”
Ele reconhece que viver de arte não é fácil, mas insiste que é possível. “Já passei pela situação de trabalhar em algo que não gostava, ficava triste, pra baixo. E não tem dinheiro no mundo que pague você ser realizado com o que você faz.”
Influenciado por cineastas como Alexander Payne, autor de “Nebraska” e “Eleição”, e pelo estilo documental intimista de Eduardo Coutinho, Marçal afirma: “Gosto de fazer filme de ator. E, no documentário, gosto muito de Eduardo Coutinho e o jeito que ele consegue tirar o íntimo do entrevistado. Há muita sinceridade em seu cinema.” Para ele, um dos maiores elogios que já recebeu foi ver “Deus Não Deixa” comparado à obra de Coutinho.
Marçal Vianna representa uma geração de realizadores periféricos em ascensão e um movimento maior: o de transformar o olhar sobre o próprio território. Um cinema que não pede permissão para existir — ele já está acontecendo, do asfalto de Japeri à tela da mostra em Duque de Caxias.
A 1ª Mostra de Cinema Periféricos no Foco acontece nos dias 16 e 17 de agosto, em Duque de Caxias, com entrada gratuita.
Realização: Potiguara Audiovisual e Wallaroo Corp.
Apoio: PNAB, Ministério da Cultura, Governo Federal e Secretaria de Cultura de Duque de Caxias.
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