A(s) Mulher(es) e Seus Homens
No dia 14 de Janeiro, no Teatro Fashion Mall, ocorreu a reestreia do espetáculo “Crônicas de Um Amor Mal Amado” escrito por Raul Franco, com direção de Bia Oliveira e estrelado por Camila Hage, Felipe Roque e Luca Pougy.
A trama nos traz recordes de situações cotidianas de vários tipos de casais que podem parecer um pouco absurdas, ou não. De forma descontraída, os atores falam sobre desejos não satisfeitos, a dificuldade de conversar e, o principal, porque não ceder? Mas ceder dos dois lados. Baseado na realidade de que está cada vez mais difícil relacionamentos seguirem sem interferências, de amigos, trabalho, família, contas, filhos, neuras, estresse e tantos outros assuntos, que os casais se vêem tendo que lidar e superar tudo para construir uma vida a dois.
O texto de Raul Franco é uma comédia romântica bem interessante, mesmo sem “grandes novidades” para espetáculos do gênero. Ágil e sagaz em sua escrita, é possível ver uma construção de personagens baseada em realidades muito próximas à qualquer pessoa, independentemente de seu sexo. Questionando sempre sobre o que é o amor e como viver esse amor à sua maneira, o espetáculo usa o humor como uma das armas para divertir seu público.
A direção de Bia Oliveira é bem realizada, mas pode se dizer que em alguns momentos ela fez a famosa vista grossa e deixou passar. Não que seja um pecado, mas o espetáculo deixa a desejar em alguns pontos técnicos de sua direção que facilmente poderiam ser resolvidos, porém existe aí uma parcela de culpa vinda do elenco. Se fosse citar um exemplo seria o uso excessivo de cacos devido à liberdade dada aos atores ou então à falta de marcações para que as peças de roupas não fiquem espalhadas pelo palco no decorrer do tempo. A presença de boas intensidades dramáticas bem trabalhadas juntamente com as circunstâncias, torna-se um gracioso e pontuado trabalho a ser visto.
Falando da técnica, a luz é crua e muitas vezes a impressão que fica é que em vários momentos se fosse uma “geral” não faria a menor diferença. O ponto que queremos chegar, é que além das transições que pecaram em seus milésimos de segundo não existe uma narrativa, uma real transposição ilustrativa daquele instante, para iluminar as cenas. Já o som, apresenta músicas interessantes, mas que não são as melhores escolhas, o cenário musical brasileiro é repleto de possibilidades que vão além do pop-rádio e, assim como a luz, houve um leve atraso em suas entradas e alguns cruciais cortes na trilha que poderiam silenciar gradativamente em seu tempo.
O simples cenário, assinado por Concepção Coletiva Biarte & Agentejunto, é organizado e clean, mas existe uma necessidade visual de apresentar objetos e/ou uma estrutura que possa tornar as crônicas ainda mais reais no imaginário de seu público. É como se tivessem apenas tirado de uma loja e colocado ali o que precisava, sem existir um apego visual para se contar as histórias.
O figurino de Camila Reis é até bem atraente, mas parece que foi recolhido no guarda-roupa dos próprios atores. Isso não é ruim, principalmente quando falamos de um espetáculo sem apoio financeiro. Mas o erro está em não pensar como um look pode contar uma história pessoal. Tratando de um espetáculo de colagens narrativas, precisa existir uma unidade e a seleção de uma palheta de cores faria toda a diferença no visual geral.
Deixando por último, mas tendo uma relevância muito importante, vamos finalizar nossa crítica falando sobre o elenco. Começando por Felipe Roque, que é apresentado no material gráfico como o Kim da novela “A Regra do Jogo” – Whatever. Ele se esforça e até apresenta uma boa composição em alguns momentos, mas não consegue se manter sempre no personagem, principalmente quando ele não faz o “bonito pegador”. De fato o ator está dentro de um padrão de beleza, mas nos deixa a questão de que ser belo e aparecer sem camisa pode não ser suficiente para segurar o rojão de estar no palco, mesmo em uma comédia romântica. Talvez sem ela, sua arma seria a simpatia, mas fica aqui o desejo de vê-lo em um verdadeiro drama onde o que interessa é a sua capacidade interpretativa e não teu corpo. Talvez um Tennesee Williams, ou, se não quiser ir longe, um Plínio Marcos. Que ele pode fazer um bom trabalho, não há dúvidas, se ele quer e está pronto para fazer um bom trabalho é outra questão.
Luca Pougy apresenta o que pode ser chamado de desperdício. É notável que ele tem a capacidade de apresentar um trabalho muito melhor, mas passa despercebido. Tirando uma cena em que contracena com os demais colegas do elenco, seus monólogos são monótonos e sem graça alguma, não pelo texto, nem pelo personagem, mas pela falta de intenção e, talvez possa se dizer, vontade.
A única mulher do elenco, Camila Hage, carrega inegavelmente o espetáculo nas costas. Se tem algo que destaca nele é ela, que mesmo sendo bonita, ela consegue ser feia. Com vários personagens, ela se revela forte, frágil, muda de postura, de voz, trejeitos e outras variações que poderia citar aqui. Em um leve momento percebemos a “presença” de outro personagem que interpretou anteriormente nos palcos, mas não chegou a ser um incomodo. Se há algo admirável em seu trabalho é sua capacidade de se mostrar versátil e preparada para o palco.
“Crônicas De Um Amor Mal Amado” apresenta tudo para uma ótima receita de comédia romântica: uma mulher incrível, dois homens bonitos, uma boa direção e um texto afiadíssimo. Mas é preciso ir além. Mesmo que os detalhes técnicos passem despercebidos pelo grande público, eles podem ser melhorados. Seu ponto alto talvez seja o notável conforto dos atores entre eles. Leve, divertido e engraçado o espetáculo é uma boa pedida para quem quer dar uma relaxada e rir da própria vida, afinal em algum ponto todo mundo se identifica.
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