Um filme simples com uma importante mensagem
Alguns dizem que um bom mentiroso, normalmente, é um vendedor nato. E, se esse ainda trabalhar no showbusiness, sua carreira estará garantida no caminho do sucesso. Essa até poderia se tornar uma máxima verdadeira se tantas pessoas não metessem os pés pelas mãos e fizessem de suas mentiras um único destino, sem se preocupar com os outros, capaz de te levar a lugares um tanto quanto duvidosos.
“Rock em Cabul”, filme dirigido por Barry Levinson, utiliza um pouco dessa premissa para contar as escolhas erradas do fracassado empresário Richie Vance (interpretado por Bill Murray) em meio ao famigerado mundo do entretenimento. O que poderia ser uma conflituosa e excelente história de superação, uma vez que também aborda a luta pelos direitos iguais em uma região tomada por questões religiosas e culturais, torna-se uma continua linha de tropeços dentro de uma estrada esburacada por algumas caricaturas e preconceitos.
Abordando assuntos extremamente delicados como conflitos de guerra, medo e desigualdades sociais e sexuais, o filme nos leva a Cabul uma província do Afeganistão dominada pela violência e a destruição em massa. Tudo começa quando Richie Vance, um empresário do ramo musical, embalado pelo dinheiro que ganharia, convence a sua cliente que um show para as tropas americanas na região seria uma ótima oportunidade para alavancar sua carreira. Contudo, ao chegar no local, sua estrela entra em pânico e decide abandonar tudo, levando todo dinheiro e passaporte de Richie. Em meio a esse problema, Vance precisa descobrir uma forma de conseguir sair do país antes que sua situação piore.
A produção, realizada com 15 milhões de dólares, foi filmada no Marrocos mas consegue convencer bastante em relação aos padrões estéticos de um possível Afeganistão em guerra.
O roteiro, escrito por Mitch Glazer, não obstante, falha em diversos pontos por não conseguir se decidir em seu foco principal. Embora tenha um contexto amplo, possível de ser desconstruído aos poucos para a construção de uma narrativa mais inteligente, esse se perde em um caminho perigoso, deslizando entre diferentes gêneros e não sabendo exatamente o que está fazendo. Sem falar nos exageros colocados para simular a pobreza do país. Ao invés de mostrar com categoria uma realidade nua e crua, a ideia fica parecendo forçada e de mal gosto.
Barry Levinson até tenta aprofundar em sua realização, como fez em “Bom dia, Vietnã”, mas o filme em si se perde no meio do caminho. Entretanto, o seu trabalho é um dos que faz “Rock em Cabul” ser um tanto quanto interessante. Entre belíssimos planos abertos e ângulos estrategicamente fechados, vemos uma carga dramática nascer em meio ao tom sarcástico dado pela interpretação de Murray e o clima denso da região. Acaba sendo bonito ver essa combinação.
O elenco é recheado de estrelas, mas a maioria não consegue revelar muito mais do que sempre mostrou nas telonas. Bill Murray encabeça a equipe, carregando todos nas costas com uma boa interpretação (Longe de ser a melhor de sua carreira) que se equilibra perfeitamente entre o drama e a comédia. Bruce Wills está bem, como em todos os personagens marrentos que faz em seus filmes. Zooey Deschannel não diz muito para o que veio, além de mostrar uma insossa e exagerada interpretação. Já Kate Hudson, está sublime e demonstra uma leveza diferente de muitas personagens que interpretou ao longo de sua carreira. A surpresa fica por conta de Leem Lubany, completamente segura na pele da personagem feminina central.
A fotografia de Sean Bobbitt, bem como a equipe de direção de arte e figurino, são outro ponto a favor do filme, desenvolvendo perfeitamente o contraste entre as belezas naturais do cenário e a atmosfera criada pela guerra. O tom amarelado do filme, em ao preto que toma conta de varias cenas proporciona grande destaque a trama.
A trilha sonora de Marcelo Zarvos é a cereja do bolo dos pontos positivos do filme, travando uma verdadeira batalha entre os ambientes e momentos de guerra contra uma tranquilidade pouco vista no filme.
“Rock em Cabul” não chega nem perto de ser o melhor filme do ano, mas está longe de ser o pior. O tom melodramático e a ótima parceria entre Levison e Murray, por si só, já valem o ingresso. Sem contar que o contexto principal é importante para abrir os olhos da sociedade em direção a verdade e mudanças que precisam ser realizadas em prol de um mundo melhor.
Daniel Gravelli é especialista em comunicação de alta performance, apaixonado pela arte e pelo seu potencial na conexão humana. É diretor, produtor, ator, roteirista, e acumula mais de 30 anos de experiência no mercado cultural. Adora cozinhar e descobrir novidades sobre o mundo.
