Durante a 25ª edição do Festival de Cinema do Rio, entre as diversas exibições, houve a pré-estreia da obra “Othelo, o Grande”, filme que conta a história de Grande Otelo: ator, cantor, produtor, comediante e compositor negro que marcou gerações com suas performances nos filmes em que trabalhou durante toda a sua vida. Antes da sessão, a equipe do documentário fez alguns comentários e agradecimentos. O diretor do longa, Lucas H. Rossi, relacionou a imagem de Otelo com a figura de um Griô, que, na África ocidental, eram homens que, por vocação, eram responsáveis por preservar e espalhar histórias, canções e conhecimentos para o povo. E, definitivamente, sem Grande Otelo, muitos atores negros e artistas das diversas áreas em que ele se propôs a ser ativo não poderiam ser quem são hoje.
Um filme feito do remendo de memórias
O longa-metragem foi feito a partir somente de imagens de arquivo. Toda a narrativa foi cuidadosamente tecida a partir de declarações do próprio ator, utilizando a imagem de seus personagens para ilustrar as fases da vida do artista, sem nenhuma adição, exceto a voz de Zezé Motta, que finaliza o filme com sua presença marcante.
Poucos filmes no Brasil são feitos puramente de imagens de arquivo. Os poucos exemplos que vêm à mente incluem o incrível “Histórias que nosso cinema (não) contava”. Entretanto, inegavelmente, diversos filmes, sejam documentários ou não, se apropriam do uso de imagens pré-existentes em nossos acervos audiovisuais. Acervos esses que, durante anos, sofrem grande descaso.
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Como lembramos de nós mesmos
O Brasil, como produtor de documentários, possui uma incrível e longa história. Em 1964, Eduardo Coutinho iniciou a gravação de “Cabra Marcado para Morrer”. O longa tinha a proposta de contar a história de João Pedro Teixeira, líder de uma liga camponesa assassinado covardemente por latifundiários. Devido ao golpe militar, o filme foi forçado a parar suas filmagens. Se não fosse o empenho e a vontade dos realizadores do longa, essas imagens teriam sido perdidas. Após os duros anos de chumbo, Eduardo Coutinho retornou com essas imagens à Paraíba, à procura da esposa de João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira, e montou com essas imagens um dos maiores documentários do país, senão do mundo.
De anos em anos, nossa arte sofre uma série de ataques, sendo impedida de ser produzida, e aquilo que já foi feito é forçado ao esquecimento. Se não fosse pelo empenho dos artistas que lutam para preservar nossa cultura, a essência do que é ser brasileiro, o que seria de nossa história? Hoje, a Cinemateca Brasileira se recupera a passos lentos de um período de grande descuido. Não temos ideia do que pode ter sido perdido ao longo do tempo com as enchentes, incêndios e diversos “acasos” que ocorreram com a mesma. Precisamos nos manter vigilantes, cobrando pela preservação e pelo investimento de nossos acervos.
Devemos, em dias onde pouco caso se faz de nossa história, nos espelhar nos Griôs, não por vocação, mas por necessidade. Consuma, preserve e espalhe a rica cultura de nosso país, para que mais e mais longas como “Othelo, o Grande” possam ser produzidos, nos encantando com personagens e contos que poderiam ser perdidos em nossa frágil memória.
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