Exibido semanalmente em quatro episódios no Canal Brasil, “Primavera nos Dentes” tenta dar conta do zeitgeist de 1973 e do legado de um improvável sucesso
Foi em 1973, com um ano para maturação e desenvolvimento do projeto, que o Secos & Molhados parou o Brasil com seu álbum de estreia autointitulado, uma estrela cadente que durou apenas um ano, mas marcou profundamente a cultura brasileira. Mais de 50 anos depois, em “Primavera nos Dentes: A História dos Secos & Molhados”, os membros estão de volta (ou quase) para uma reunião de amigos em um documentário que não promete esconder nada.
É sedutora a ideia de uma produção definitiva para saciar os apetites dos interessados sobre um período histórico, um gênero, uma banda, e quem conhece ao menos um pouco da história do S&M e seus membros sabe que tem muita personalidade forte para tornar esse projeto um grande copo de água com açúcar; mas esse, surpreendentemente, não é o caso.
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Não faltam exemplos de cinebiografias em que a pessoa viva retratada ou os próprios parentes mexem seus pauzinhos e transformam a coisa em uma mídia chapa branca, uma propaganda — alô, Mauricio de Sousa — mas temos a sorte de ter artistas tão desprendidos embarcando no que se torna uma conversa de amigo que é material para descobrir coisas nunca antes reveladas sobre a banda.
No primeiro parágrafo dissemos “quase” porque, a despeito dos esforços, um dos membros fundadores, João Ricardo, não concordou em se envolver na docussérie. O projeto estava na fase de edição e esperava poder contar com as músicas da banda, no entanto, apesar do sim dos seis dos sete compositores envolvidos (ou da família), seu uso foi barrado e os realizadores até que recorreram a justiça, porém sem conseguirem um parecer positivo. Dessa forma, a única canção dessa fase do S&M (que continuou sem a formação clássica, conhecida por todos), é “Rosa de Hiroshima”, única sem coautoria com João.
A notícia boa é que diante desse obstáculo tiveram a ideia de reunir os ex-integrantes de volta a estúdio para gravar originais exclusivos à trilha sonora do doc, uma grata surpresa que vemos ser desenvolvida ao fim de cada capítulo da série na forma de bastidores, e conta com, além do uso de acordes e padrões de composição da banda, com letras engavetadas pelos músicos desde o segundo (e último) álbum.
Comentamos um pouco sobre a pré-estreia em outra oportunidade, na qual vale destacar uma fala de Ney Matogrosso a respeito do resultado final: o vocalista brincou que enquanto assistia estava preocupado de que veria alguém falando mal de alguém — possível referência aos imbróglios envolvendo João Ricardo — mas que ficou feliz com o que viu, pois o clima seria mesmo esse: uma reunião de amigos em paz com a própria história.
A não possibilidade do uso das canções que se tornaram canônicas na nossa cultura é sim uma falha irremediável, assim como a não participação de um dos membros da formação clássica — e o melhor que o público pode fazer, contudo, é observar o copo meio-cheio pois, até onde foi capaz, circundou-se a história para preencher as lacunas.
Primavera nos Dentes tenta dar conta do caldo cultural que permitiu a formação dos Secos & Molhados e a forma como o grupo foi recebido pela sociedade brasileira na época — além de, claro, o seu legado, pela voz de artistas como Ana Cañas e Frejat — um zeitgeist que é também por si só um milagre. Esse quem vos escreve já conhecia a história da banda, mas vê-la através do documentário deu a dimensão de como várias pequenas coincidências geraram esse encontro improvável, e como toda a turminha estava conectada com outros (hoje) grandes nomes.
Os lapsos deixados pela ausência de um dos membros (além de, certamente, daqueles que não estão mais entre nós) são devidamente preenchidos pelas falas que tentam dar conta de desenhar sua silhueta sem deixar de apontar as mea culpas dentro do possível. Isso poderia soar insuficiente mas, felizmente, o documentarista Miguel de Almeida conseguiu depoimentos do próprio João na feitura do livro que deu origem à docussérie, o que enrobustece o conteúdo.
É um documentário tradicional, contudo esforçado em impressionar pelos detalhes: seja pela já citada trilha sonora, como pela edição divertidinha com colagens de gravações dos arquivos da ditadura — postos, veja só, ao revés — ou pela animação de abertura, que por si só é um primor. Não é o documentário perfeito do S&M, mas é o melhor que poderíamos ter.
Este filme foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Imagem Destacada: Divulgação/49ª Mostra

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