“A poesia é um abrigo incômodo das possibilidades”.
Quem há de discordar? A poetisa gaúcha Claudia Sehbe acaba de lançar o seu primeiro livro, Somos Instantes.
Mesclando poesia, artes visuais e intervenção urbana, a obra da Claudia traz o cinza escuro de Nova York e o cinza mais claro do Rio de Janeiro traduzidos em palavras e construções.
No livro, em estêncils espalhados pela cidade ou na Ocupação Mauá, as palavras da Claudia são claramente dela. E esse é um dos melhores elogios que quem cria pode receber. Conseguir encontrar a tal voz e fazê-la presente em cada manifestação. Em Somos Instantes essa voz é concreto, dor, vivência feminina e paz inquieta.
Nesta entrevista ela fala sobre como foi tocada por cada cidade, como se dá o seu processo criativo e, claro, o que é poesia.
Érika Nunes.: Você tá lançando o livro Somos Instantes. Qual é o instante do dia que te representa?
Cláudia Sehbe.: Qualquer um de liberdade. Talvez quando o vento bate no rosto.
E.N.: Você se interessou por arte desde pequena ou foi um movimento da vida adulta?
C.S.: Sempre escrevi, desde pequena. Na época do colégio eu já tinha meu caderno de poesias e redações. Quando era garota comecei estudar teatro em Porto Alegre. Foram quatro anos e pouco estudando artes cênicas, em vários grupos e escolas. Me apresentei em vários teatros e cheguei a pensar que o que eu queria mesmo era viver atuando. Tirei meu DRT e trabalhei com isso algum tempo. Depois percebi que o que me acompanhava mesmo era a escrita. A pintura e escultura vieram depois. Estou ainda descobrindo universos e isso é tão bom.
E.N.: Como o seu trabalho mescla intervenção urbana e poesia?
C.S.: Meu trabalho mistura poesia e artes visuais. Na arte urbana existe o elemento da surpresa. Quando alguém vai a um museu ou a uma galeria de arte está disposto e preparado de certa forma para receber a arte. Na rua a troca se dá pelo inesperado. Essa arte proposta naquele instante pela surpresa pode nos levar rapidamente a outros lugares a pensar ou repensar, talvez. Esse tipo de troca e o que ela resulta no dia a dia das pessoas é muito intrigante. A minha atuação na rua é e foi através da palavra. Minha primeira intervenção urbana foi no Rio de Janeiro. Logo que cheguei, senti uma necessidade de escrever nas ruas, queria passar uma mensagem. Quando cheguei ao Rio a cidade me doeu um pouco. A escassez e o descaso que vivemos por aqui, queria colocar algo na rua, entende? Comecei a colocar “somos instantes” por aí. Um amigo e eu fizemos um estêncil e eu saí, ora sozinha, ora com amigos, espalhando em algumas comunidades que eu costumava andar como no Rio das Pedras, Rocinha, Vidigal e no Leblon.
E.N.: Colocar os seus versos em instalações artísticas foi algo que aconteceu pela sua vivência e pelas viagens ou sempre esteve na sua construção?
C.S.: Essa mistura de poesia e arte visual foi acontecendo ao acaso, naturalmente e tem me possibilitado uma liberdade enorme no meu trabalho. Na sacada do apartamento que eu morava em Nova York, eu lembro da felicidade da minha descoberta da cor pura. Comecei a gostar do olhar e do universo que se apresentavam para mim ali. Descobri as formas e toda a conectividade. A liberdade de poder me expressar com texturas, cores e formas e caminhar por elas como se fossem minhas próprias palavras é uma experiência libertadora.
E.N.: O que é poesia para você?
C.S.: Um território da alma, o latido do cachorro no domingo de manhã, um vento que bateu às 11 horas, uma espera, dois passos a frente, uma carta que não veio, um navio, um presságio, imigração. O atalho que os olhos têm, o silêncio entre duas quadras, a urgência da notícia, deitar de novo, o vômito, a rede, caminhar à sombra, o entrelaçar dos dedos, o refazer, o cantar, uma ponte, a dor pontiaguda, o desfazer. Alguém, algum, nosso. Alguém que nasce às 10 horas, alguém que repete um nome para ver se recorda, dois pés cansados, a nuvem, a noite. Que as coisas se expliquem pelo que fazem com a gente ou para onde nos conduzem. Poesia é um abrigo incômodo das possibilidades, o aberto, o inefável. Não sei.
E.N: Você é metódica no processo criativo ou deixa fluir?
C.S.: Deixo fluir. Sempre. Mas gosto muito de trabalhar pela manhã, bem cedo, no silêncio e com a cabeça fresca. Não é uma regra. Apenas aprendi que neste horário as palavras caminham melhor comigo. Existe uma inocência, uma esperança e uma franqueza nas manhãs que não existe nas horas seguintes. E eu gosto disso.
E.N.: Morar em Nova York foi algo que tocou a sua poesia e produção artística. O que há em Nova York que não há em nenhum outro lugar?
C.S.: Todo lugar é único mas depende muito do que você está disposto a ver e o quanto está disposto a se entregar. Esse lugar foi importante para mim pois foi uma fase de mudanças, de um encontro comigo mesmo, de experimentação. E, neste aspecto, Nova York foi maravilhosa para mim. Falo dos minimundos que existem a cada esquina, um apanhado enorme de possibilidades para se conhecer e provar é muito inspirador e valioso, um material para a criação e para o interno.
E.N.: E as diferenças entre morar em Nova York e no Rio no que diz respeito ao processo criativo? Como essas cidades te tocam no momento de criar?
C.S.: A possibilidade de estar cercada de toda contemporaneidade, muitas exposições, manifestações e acontecimentos a toda hora é inegavelmente uma coisa maravilhosa em Nova York. Amo aquele cidade. Como disse antes, existem minimundos dentro de cada centímetro da cidade e isso acaba por refletir em qualquer criação. Inclusive no nosso próprio tempo. O constante movimento. O Rio de Janeiro é celeiro de ideias, muito pelo o ar de liberdade que experimentamos quando estamos aqui e pela natureza. Amo essa cidade. Poder correr na floresta da Tijuca sozinha pela manhã ou à beira mar é simplesmente algumas das coisas mais maravilhosas que existe, mas, para mim, é o próprio processo de mudar de cidade, conhecer e tentar entendê-la, tanto em Nova York como no Rio de Janeiro que me inspira. O processo me interessa e nesse sentido, mudar de cidade sempre é algo interessante. Você nota primeiro a cidade, as ruas, depois o caminhar das pessoas, depois nota a música de fundo das casas alheias, as pessoas e os caminhos novos, os olhos cansados, as possibilidades, às vezes, no final de tudo, você consegue até se enxergar, quem sabe.
E.N.: Se tivesse que citar apenas um livro de poesia que te transformou.
C.S.: Difícil citar um. Sou muito aberta. Tudo o que leio acaba por me transformar, certas vezes por incômodo, certas vezes por admiração. Existem autores e livros que levo comigo sempre, mas tudo ao redor nos transforma, filmes, livros. Somos um apanhado disso tudo.
E.N.: Por fim, qual é o verso da própria produção que define a Claudia despida do eu lírico?
C.S.: Hummm…
Eu deixo por ela uma poesia do seu livro. Às vezes a nossa obra nos conta mais que nós mesmos.
Por Érika Nunes
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