Longa busca resgatar de forma irônica o passado do cinema enquanto critica garotas-conto-de-fada
Com estreia no Brasil dia 31 de Outubro em distribuição da Fênix Filmes, longa espanhol “Ramona – Uma história de amor à primeira vista” acompanha a vida de uma mulher que tenta estruturar sua vida amedrontada, mas não imobilizada, pelas incerteza do futuro. Confira nossa crítica abaixo, sem spoilers!
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“E algum dia, talvez, eu vou voltar e estar chorando por você”
Escolher, e não ser obrigado — ao óbvio que possa parecer — a rodar um filme em preto-e-branco em pleno 2024 tem a sua responsabilidade: é preciso ter muita ousadia e confiança do próprio trabalho para aguentar o sarrafo. Não porque seja uma forma mais “pura” e “elevada”: o desejo de retorno quase idílico aos clássicos está em uma linha muito tênue para se soar simplesmente pretensioso.
Não dá para não dizer que Andrea Bagney é uma cineasta com um nível muito alto de autoconsciência artística, de manter em suspenso metalinguisticamente o que há de mais banal nas nossas convenções; há de se questionar seus métodos, mas não sua boa sagacidade, porém disso voltaremos a falar, em detalhes, mais tarde.
Em “Ramona”, acompanhamos a protagonista homônima que em um dia qualquer esbarra, sem saber, com o diretor do filme para qual fará audiência, e pela qual se apaixona vertiginosamente. Cheia de opiniões, vivendo uma vida suburbana decadente, seu orgulho não a deixaria aceitar esse “presente do acaso” em respeito pelo seu namorado, Nico, pelo qual marcadamente recusa os avanços do diretor.
Em um filme de vários monólogos, não são esporádicas as vezes na qual não sabemos se Ramona está interpretando um personagem ou falando de sua própria vida, pondo em questão se o que vemos na história principal não é uma grande peça. Isso está profundamente auxiliado por dois recursos: as atuações acima do tom e o próprio preto-e-branco, que dá lugar ao cinema à cores durante o luz-câmera-ação; essa é uma narrativa no agora confuso esquema de aulas de roteiro sobre mise en abyme.
Comentado como um “novo ‘Frances Ha’” pela própria distribuidora aqui no Brasil, Fênix Filmes, podemos ver de onde surgiu essa comparação: ambos possuem uma filmagem semelhante ensejando mexer com as noções de tropos na nossa cabeça sobre clássicos, e provocam sobre a jornada individual de uma protagonista feminina enquanto um indivíduo autônomo, não um trampolim masculino.
Excêntrica, com opinião própria, contraditória, Ramona se importa sim com o que você acha dela, mesmo que sua vida seja uma bagunça. Ela não se importa com dinheiro, mas quer viver em dignidade, e todo dia tem que se preocupar em voltar para a casa com uma vizinhança barra-pesada temendo sofrer uma violência sexual, mesmo que seu namorado não se sinta da mesma forma, dá para culpá-la?
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A subversão do arquétipo de “Manic Pixie Dream Girl” já é um bom novo clichê do cinema mundial. É ótimo que tenhamos vozes femininas falando sobre o como mulheres são subrepresentadas, mas, artisticamente, isso leva de volta à velha máxima: discutir sobre temas importantes não necessariamente torna bom (e admirável) um produto artístico — vejamos a ode ao mau gosto que são os instapoemas de Rupi Kaur.
Argumentativamente, “Ramona” é um pouco repetitivo sobre as contradições que expõe, e não vamos nos debruçar vagamente sobre seja lá o que for que signifique “crueza” enquanto algo positivo no cinema — e, tudo bem, nenhum artista está obrigado a inventar a roda! — o que não anule seus outros méritos: ora criticado pela atuação, não bastasse Lourdes Hernández dando conta de carregá-la no peito, ela faz todo sentido ao que se propõe a te encher de fastidio sobre todos os personagens — e isso não é uma crítica.
“Precisamos falar sobre como-“… não precisamos falar sobre nada, ao menos o cinema e o diretor não devem nada a ninguém enquanto um Esopo moderno. Dá para ver que Andrea Bagney se divertiu com a direção, se podemos render boas comparações, uma mais óbvia seria a “Fleabag” e a habilidade de rir de si mesmo, mesmo que enquanto comédia-romântica descambemos mais em uma tragédia na qual quem perde é só o espectador, que precisa reconciliar sua postura com o ridículo que é a própria vida.
Colocando em outros termos, “Ramona” é um bom filme, irreverente e provocativo, com um argumento um tanto batido e excelente filmografia — que as vezes tenta demais, mas ganha pelo storytelling em jogo de espelhos.
Imagem Destacada: Divulgação/MUBI
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