Adaptação de “O Rinoceronte” de Eugéne Ionesco provoca reflexão com liberdade e exalta o teatro
O espetáculo “@Rhynos“, dirigido e adaptado por Daniel Herz teve 2 únicas apresentações em meados de dezembro na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro. Na peça, o celular é o protagonista.
Isso poderia ser um paradoxo, dado o objeto ser minúsculo se comparado a um Rinoceronte. Porém, o seu poder de conexão é facilmente comparável ao do grande animal no texto original de Eugene Ionesco.
Ionesco em 1959, na França, discute como algumas ideias podem se difundir facilmente e trazer efeitos maléficos para a sociedade. Vários agentes participam disso: jornalistas, autoridades e cidadãos comuns.
A escolha pelo rinoceronte não é à toa, são animais de grande porte, pesados e com pernas curtas. E que exatamente por tais características, marcam presença e não passam desapercebidos, tal qual o efeito de diversas ideias.
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Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência
“@Rhynos” tem como elemento central a relação das pessoas com o celular através das redes sociais. Discute como essa proximidade virtual afasta o convívio interpessoal e aumenta a vulnerabilidade diante de fake news e a suposta realidade das redes sociais. Além disso, as telas podem servir como um escudo de proteção para os que fazem mau uso das conexões virtuais.
Foram mantidas as discussões do texto original. Elas versam sobre temas variados como os valores, a ética e o papel da imprensa; o amor; o alcoolismo, a relação com o trabalho, a procrastinação. Esses temas estão em situações presentes no cotidiano de todos que conectam imediatamente.
Na maior parte das vezes o palco estava livre para as movimentações. Quando tinha elementos cênicos, eram apenas cadeiras que serviam inclusive para intensificar as falas. As marcas fizeram toda diferença, principalmente quando havia diálogos múltiplos, bem como as trocas de posições para intensificar os conteúdos das falas.
O elenco merece uma menção honrosa à parte, pois interpretou com tanta verdade e intensidade que muitas vezes arrebatava os espectadores. Por exemplo, no monólogo, foi a culminância de um desconforto gradativo e Bernardo Pupe preencheu o palco todo!
@Rhynos traz personagens facilmente reconhecíveis
- aquele que só acredita na própria opinião, foge do assunto e busca validar entre os seus pares e a imprensa cuja linha editorial for alinhada à sua visão;
- os que acreditam estar imunes pelo grande repertório e poder de análise, porem essa ampla abertura se torna um ponto de vulnerabilidade tremendo
- os que são críticos e não se deixam influenciar, porém, ao se posicionarem são tidos como exagerados.
- os que são adaptáveis e não percebem nada demais.
@Rhynos une crítica, liberdade e teatro
Há diversas possibilidades de leitura sobre a crítica feita pela peça. É exatamente essa a provocação do texto: oferecer ao espectador a liberdade de relacionar a crítica de Ionesco com a sua vivência pessoal. A única posição declarada abertamente é sobre o amor ao teatro. Inclusive, há vários momentos de meta linguagem e referência à plateia e ao teatro.
Perfeitamente plausíveis, considerando a trajetória de Herz, a potência do elenco e a capacidade do teatro de fomentar reflexões e mudanças em quem estiver aberto para recebê-las. Neste sentido, “@Rhynos” apresenta o grande paradoxo dos tempos atuais: o grande poder de conexão com os celulares nos desconecta uns dos outros e de nós mesmos.
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