Uma história que poucos sabem, mas todos deveriam conhecer. No Brasil muitos escritores negros são invisibilizados pelo sistema, quando não acabam embranquecidos como Machado de Assis. Para discutir sobre o apagamento das contribuições intelectuais negras trago a história de Carolina Maria de Jesus, a escritora favelada e catadora de papel traduzida para 16 idiomas e comercializada em 40 países. O Livro “Quarto de Despejo, diário de uma Favelada” lançou Carolina na literatura mundial, no entanto muitos brasileiros desconhecem suas obras.
Carolina de Jesus viveu na favela do Canindé em São Paulo e estudou pouco, mas suas palavras escritas em papéis encontrados no lixo revelaram a realidade de muitos negros e favelados no país, na década de 1960. Carolina não era só uma catadora de papel, ela construiu o seu papel na literatura brasileira, que nunca será apagado.
Nascida no dia 14 de março de 1914, em Sacramento Minas Gerais, Bitita, apelido de Carolina, aprendeu a ler no Colégio Allan Kardec, do Grupo Espírita Esperança e Caridade, na sua cidade natal, onde estudou os primeiros anos do ensino primário e parou por aí. Foi para São Paulo trabalhar como empregada doméstica e se instalou em 1947 na favela do Canindé. Trabalhava a semana inteira na “casa de família” e nas suas folgas pedia ao patrão para ficar na biblioteca lendo. Nessa época ela leu clássicos da literatura e começou a construir sua formação como escritora.
A vida da catadora de papel mudou quando o jornalista Audálio Dantas, que estava fazendo uma reportagem sobre a favela do Canindé, a encontrou na praça. Carolina confiou seus textos ao jornalista, que analisou os escritos em muitos papéis encontrados no lixo e viu no diário uma forma original de descrever a realidade da favela. Livro que quando publicado fez barulho na sociedade brasileira, por ser escrito por uma mulher negra, favelada, catadora de papel, de pouca instrução que misturava palavras coloquiais com rebuscadas. Ainda em vida ela publicou mais três livros, “Casa de Alvenaria, diário de uma ex-favelada”(1961), “Pedaços da Fome”(1963) e “Provérbios”(1963), difíceis de serem encontrados. Carolina nos deixou aos 62 anos, 1977, depois de viver em sua fazenda em Paneleiros Minas Gerais.
A atriz Fernanda Dias estava recentemente em cartaz com a peça de Ribamar Ribeiro, “Salve ela! Carolina Maria de Jesus em cena”, no teatro Café Pequeno, no Leblon, e contou para o Portal Woo! como foi sua preparação e pesquisa sobre a personagem que iria viver nos palcos:
“Foi ai que eu comecei a ver a história daquela mulher negra que sofreu um racismo forte, ela era muito batalhadora! Todo mundo ficou encantado. Eu me identifiquei muito com ela. Eu nunca precisei morar em comunidade, mas as outras ações eu sempre senti na pele; não só como mulher, mas principalmente como mulher negra”, disse Fernanda.
No ano seguinte, a publicação do livro “Quarto de Despejo, diário de uma Favelada”, 1961, o texto foi adaptado para o teatro pela escritora gaúcha Edy Lima. Na peça, apresentada no Teatro Bela Vista, em São Paulo, Carolina foi interpretada por um nome de peso no teatro nacional, a atriz Ruth de Souza, que hoje tem 95 anos. Para interpretar a personagem Ruth visitou a favela do Canindé com Audálio e a própria Carolina.
As palavras podem não mudar o mundo, mas elas ajudam a conta-lo. Carolina Maria de Jesus narrou a sua realidade e junto a de muitos brasileiros. O diário que começou em 1955 parece não ter acabado, ainda vemos muitas coisas se repetirem na sociedade. “Quarto de Despejo, diário de uma Favelada” nos leva a refletir sobre a miséria, a fome, a desigualdade, o racismo e as dificuldades enfrentadas pela escritora. Precisamos mudar as bibliotecas coloniais do nosso país e resgatar todas as Carolinas deixadas pela história. A atriz Fernanda Dias contou:
“O mundo da literatura sabe que elas existem, mas elas não são vistas e suas criações são invisibilizadas “.
Por Leonne Gabriel
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.