Você ainda se lembra delas? Remexendo nossos antigos pertences as encontramos, cavoucando bem no fundo, lá estão elas! Cheias de adesivos, traças, pedaços amarelados e folhas dobradas com pequenas partes rasgadas. A própria palavra saudade já nos remete ao ato de escrever. E tal ação nos levava a buscar um lápis ou uma caneta, até meados dos anos 90 para rabiscar bilhetes e escrever para quem quer que seja. Quando a gente escreve é porque sentimos falta de algo, alguém ou alguma coisa. Hoje os e-mails e mensagens de “whatsapp” denotam a necessidade da rapidez, porém, nas antigas e famosas cartas podemos encontrar um certo sujeito que pode ser considerado o “autor”, mas também alguém muito interessante para este: o sujeito leitor.
Quando alguém envia uma mensagem nos dias atuais possui dois objetivos: enviá-la e receber prontamente uma resposta. Já a mensagem escrita contida dentro de um envelope é praticamente uma autorização do emissor para que o receptor leia a sua alma, ainda que inconscientemente. Em vista disso, terminamos por dispensar certas trivialidades e erros recorrentes de ortografia, pois na linguagem escrita a mão encontramos menos fragmentações quase sempre encontradas na comunicação contemporânea.
Das cartas nascem mapas, cardápios, autorizações dadas a uma pessoa para agir de certa maneira, documentos, esclarecimentos, intenções, relatos, descobertas… E o que dizer das grandes cartas que revolucionaram a história da humanidade? O primeiro documento escrito que se tem notícia sobre o Brasil antes dele ser fundado são os registros de Pero Vaz Caminha. As cartas de Abelardo e Heloísa nos revela além de uma grande história de amor, detalhes de uma época que vai desde a Idade Média até o início do Renascimento onde a existência da mulher dentro da sociedade se pautava na permissão da igreja cristã, mais precisamente da católica. E o que dizer da carta-testamento de Getúlio Vargas anunciando a sua renúncia? O aclamado pintor Vincent Van Gogh demonstrou nos escritos de suas correspondências, além de muita aflição, diversos traços da sua personalidade, também desvelou revelações técnicas acerca da sua arte através de seu método de trabalho.
“Ler as cartas de Clarice Lispector é como saborear garrafas de champagne”
Essas foram palavras de Otto Lara Resende no apanhado das correspondências da grande escritora brasileira na trajetória dos seus primeiros vinte anos que podemos conferir na obra “Minhas queridas’, uma história de afeto entre irmãs contada em cartas que venceram o tempo e a distância’ ” da organizadora Teresa Montero. O livro reflete uma época onde a correspondência literária era frequente e o interesse em cima da vida privada de grandes autores crescia cada vez mais.
Independente da relação de cada estilo com o momento histórico em que ela predominou, a carta continua sendo um registro significativo para aqueles que valorizam a sensação que se tem ao receber algo ansiosamente esperado.
A relevância das cartas de papel todavia crescem em nossa atual era “cybernética”, sobretudo, tornando-se objeto de valor para curiosos, pesquisadores e colecionadores daquelas que outrora foram manualmente escritas.
Todas as cartas de amor (Heterônimo A. Campos.Fernando Pessoa)
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.
Por Susana Savedra
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