Em 2016, críticos da BBC Culture elegeram os 100 melhores filmes produzidos entre 2000 e 2016. Na lista, estão longas de diversos gêneros, países e estúdios que se tornarão, em breve, verdadeiros clássicos da sétima arte. Dentre gigantes como “Azul é a Cor Mais Quente” (La vie d’Adèle, Abdellatif Kechiche, 2013 – que ficou em 45º lugar), “Fale com Ela” (Hable com ella, Pedro Almodóvar, 2002, em 28º lugar) e o grande vencedor da lista, “Cidade dos Sonhos”(Mulholland Drive, David Lynch, 2001), está, em quarto lugar, a animação “A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001)”.
Há bastante tempo que longas de animação deixaram de ser exclusivamente voltados para crianças. Obras como “Persepolis” (Persepolis, Marjane Satrapi, 2007) ou até mesmo o clássico noventista que mistura live action com animação “Uma cilada para Roger Rabbit” (Who framed Roger Rabbit, Robert Zemeckis, 1992) não são voltados exclusivamente para o público infantil, uma vez que mescla situações, emoções e referências que são captadas majoritariamente por adultos.
Dentre as animações mais aprofundadas na ótica humanista, esteticamente poéticas e complexas, destacam-se diversas animações orientais, especialmente as do Studio Ghibli, estúdio de animação japonês responsável por clássicos como “Castelo Animado” (Howl no Ugoku Shiro, 2004), “Laputa – O castelo no céu” (Tenku no Shiro Rapyuta, 1986), “Cemitério dos Vagalumes” (Hotaru no Haka, 1988) e vários outros.
Há algum tempo, inclusive, pipocou nas redes sociais uma frase que faz muito sentido para os amantes de desenhos animados: os filmes da Disney tocam o coração; os do Stúdio Ghibli tocam a alma. E uma dessas produções que realmente tocam profundamente a alma é “A Viagem de Chihiro”, longa que completou recentemente 15 anos de lançamento no Japão e que teria sido feito para a filha de 10 anos de um amigo de Hayao Miyazaki, o criador da obra. Talvez aí mesmo que resida parte da beleza e sensibilidade da obra: um filme feito especificamente para uma criança e não feito tendo em mente exclusivamente o público em geral ou a arrecadação.
Lançado em 20 de julho de 2001, “a Viagem de Chihiro” tornou-se a animação japonesa de maior sucesso na história do cinema, rendendo cerca de 289 milhões de dólares em todo o mundo e conquistando críticos a ponto de vencer o Oscar de melhor animação em 2003, mesmo disputando com produções aclamadas como “A Era do Gelo” e “Lilo & Stitch”.
O roteiro conta a estória de Chihiro Ogino (Hiiragi), uma menina de 10 anos que está sofrendo com a mudança de casa e, nesse contexto, adentra o mundo dos espíritos. O nome original da animação – Sen to Chihiro no Kamikakushi – seria algo como “Sen e Chihiro têm seus espíritos levados para longe”.
Resumidamente e sem spoilers que comprometeriam as surpresas do filme, a menina aceita um trabalho na casa de banho de uma bruxa a fim de encontrar uma maneira de libertar a si mesma e a seus pais após estes se transformarem em porcos. O roteiro, aparentemente simples, levanta, através de linguagem cinematográfica e metáforas belíssimas, questões de cunho social e ambiental. Nas palavras do próprio Miyazaki:
“A transformação dos pais de Chihiro em porcos simboliza a ganância inerente aos humanos. No momento em que Chihiro diz que existe algo de ruim na cidade, seus pais transformam-se. Existiram pessoas que se transformaram em porcos durante a bolha econômica do Japão (sociedade consumista) dos anos 1980 e essas pessoas nem perceberam a transformação. Uma vez que alguém se torna porco, ele não volta a ser humano, pelo contrário, ele passa a ter corpo e alma de porco. Essas pessoas são as que dizem “nós estamos em recessão e não temos o suficiente para comer”. Isto não se aplica ao mundo da fantasia. Talvez não seja coincidência que a comida é, na verdade, uma analogia a uma armadilha que atrai humanos perdidos.”
Muita gente avaliaria o filme como a evolução de uma menina mimada, mas ele vai muito além desta simples questão. A viagem de Chihiro é sobre o desenvolvimento de uma criança a partir de suas emoções, criatividade e experiências de vida. Chihiro é forçada a se adaptar a um ambiente novo e estar aberta à sua nova realidade, vivendo da melhor maneira que uma garotinha poderia viver e ainda superar-se.
A preocupação dos japoneses com o meio ambiente também fica evidente especialmente na cena do espírito sujo que vai “tomar banho”: esta foi uma alusão a uma situação vivida pelo próprio Miyazaki que realizou uma limpeza em um rio, quando mais jovem.
A viagem de Chihiro inova também em relação às sequências chamadas de “ma” (vazias). “Os produtores tinham receio de que o público ficasse entediado. Mas não é porque o filme é 80% cheio de intensidade que as crianças lhe abençoarão com sua atenção. O que realmente importa são as emoções no interior da obra” explica Miyazaki. O mais interessante disso é que, à medida que o filme foi envelhecendo, esses momentos “vazios” é que se tornaram icônicos, como é o caso da cena em que Chihiro está na varanda contemplando o mar, perdida ou na que ela está com Sem-Rosto e Boh no trem.
E se você é fã do longa, ainda existe uma boa notícia: você pode visitar a locação real do filme! As ruas do filme e a elaborada casa de banho se devem à beleza de Jiufen, em Taiwan. Miyazaki revelou ter visitado uma popular casa de chá durante sua estadia no país e homenageou o local com a casa de banho. Então se alguma vez você viajar para Taiwan, vale a pena visitar o local e reviver a mágica do filme.
Por Thais Isel
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