Filme de Satyajit Ray é um retrato social de época
Um filme à frente de seu tempo. Esta é uma excelente definição para “A Canção da Estrada”, clássico indiano de Satyajit Ray, que, em 1955, já abordava um tema que, hoje, se revela cada vez mais evidente, tanto na Índia quanto no restante do mundo: as mazelas sociais derivadas da miséria. Influenciado pelo Neorrealismo Italiano, Ray expõe a vida de uma família em um vilarejo rural empobrecido. Com a casa em ruínas e lutando para garantir a alimentação diária, seus personagens são de uma parcela da população que é esquecida pelos que moram nas grandes cidades.
“A Canção da Estrada” é o primeiro capítulo de uma trilogia que segue essa família, mas que, nos filmes subsequentes, concentrará sua atenção no filho mais novo, Apu (Subir Banerjee). Neste filme, o garoto surge como mera testemunha dos dramas que se desenrolam em sua casa, envolvendo seu pai, sua mãe, sua irmã mais velha e sua avó. Esta última impressiona pela fragilidade física, acentuada pela idade avançada e pelas condições de vida deploráveis. A senhora, em grande parte, mendiga por comida e abrigo, enquanto brinca com os netos e se vê envolvida em conflitos com a matriarca da casa. O pai, por sua vez, mal aparece, pois precisa trabalhar fora para garantir o sustento da casa. Já a irmã recorre a pequenos furtos, seja de frutas ou objetos de suas amigas.
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Ray acompanha esses desafortunados com uma linguagem cinematográfica surpreendentemente moderna para a época. Há uma movimentação constante da câmera, em travellings e panorâmicas, o que confere dinamismo a um filme que, em sua essência, é fundamentado em diálogos. Talvez uma câmera mais estática causasse cansaço ao espectador menos sensível à sutileza, o que seria uma pena, considerando que a matéria-prima humana presente no enredo é profundamente emocionante, especialmente no desfecho, que opto por não revelar para não comprometer a experiência de quem ainda não assistiu.
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Assim, “A Canção da Estrada” configura-se como um retrato social de um país que, até hoje, ainda luta para alcançar um desenvolvimento pleno. A questão do progresso, inclusive, é outro tema abordado pelo filme, quando Apu, acompanhado pela irmã, observa a passagem de um trem e, em seguida, se questiona sobre as torres de energia elétrica que atravessam o campo de arroz onde brinca. É nesse momento que a civilização avança, sem sequer perceber a sua existência.
Este filme foi exibido durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Imagem em destaque: divulgação
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