“A Natureza do Amor” é um retrato contemporâneo com ares de outra década
Desde os primórdios da consciência do pensamento, uma pergunta é tão universal quanto o sentimento: de onde vem “A Natureza do Amor” (Simple Comme Sylvain?)? De onde nasce, como nasce, o que acontece, o que representa, como vivê-lo, como demonstrá-lo, porque não o aceitar o amor, e por aí vai.
O fato de não termos uma resposta concreta, e já ter sido tão “estudado” e questionado, essa incógnita acaba também sendo a premissa do longa, que já estreou nos cinemas do Brasil, dia 25 de abril, e falaremos agora.

Na história temos Sophia (Magalie Lépine Blondeau), uma professora de filosofia que, aos 40 anos, mantém um relacionamento estável há uma década, com o seu conformado parceiro Xavier (Francis-William Rhéaume). Residente em Montreal, ela é filha de uma rica família que sempre contou com uma boa formação e contatos privilegiados. Porém, sua vida muda completamente ao conhecer Sylvain (Pierre-Yves Cardinal), um empreiteiro que foi contratado para reformar sua casa de campo. Os dois vivenciam um amor à primeira vista, de maneira completamente intensa, mas as diferenças não tardam a vir à tona. Decidida a viver esse romance, ela começa a questionar seus próprios valores e aspirações. Se os opostos se atraem, o romance entre eles pode durar?
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Essa premissa clássica, para não dizer clichê, já foi mais do que representado nas telas. Nesse filme, temos “contornos e adornos” que o fazem ser interessante, mas nada extraordinário ao ponto de ganhar o Prêmio César de Melhor Filme Estrangeiro. Ele foi escrito e dirigido pela canadense Monia Chokri, presente no elenco como a melhor amiga da protagonista, Françoise. Talvez seu trabalho como diretora seja um dos pontos altos do longa. Ele se estaca pela possível precisão na escolha dos planos para se contar a história e pela forma como se conduz o elenco.
Ela opta por pôr, em muitos momentos em que temos um grupo de personagens, falas rápidas e uma por cima da outra, sobre diversos assuntos, fazendo alusão a confusão de informações e mental de nossa protagonista. Nos planos prioriza os fixos em movimentos, predominando as transições com eixos que brincam com o zoom, aproximando ou distanciando, outra alusão a vivência presente da protagonista. Outro recurso visual utilizado na trama é o planos recortados por objetos e espelhos, além de usar bastante a fotografia de André Turpin, para trazer sensações e emoções.

Exemplificando (spoiler alert), quando o caso começa a ficar intenso, e ainda escondido, temos Sophia andando de um lado para o outro, na penumbra de um quarto de hotel, recortada por uma grande janela onde vemos a cidade iluminada pelo sol. Sylvain entra e eles se beijam e aí temos um recorte clássico para exemplificar a relação escondida, e distante do mundo exterior onde a vida poderia/deveria estar acontecendo.
Agora, passemos rapidamente por 3 departamentos que merecem citações aqui, não necessariamente boas. A fotografia de André Turpin com a edição de Pauline Gaullard insiste em fazer com que se pareça uma produção do início dos 90. Uma aplicação de sépia, granulação e fades sutis. A trilha original de Emile Sornin talvez seja a pior coisa do filme. As músicas além de ruins, chegam a ser anticlimáticas e simplesmente não geram nenhuma emoção além de desespero para que acabem. E ao contrário das originais, as canções escolhidas – está na moda usar músicas famosas dos anos 80 e 90 – acabam deixando o ar do longa mais sutil e interessante.
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Ponto alto do filme sem dúvidas é o elenco presente e encantador. Magalie Lépine Blondeau, nossa Sophia, desenvolve sua personagem de maneira bem leve, com maneirismos e uma emoção interna que, mesmo em silencio, conseguimos sentir o mesmo que ela. Francis-William Rhéaume é tão ausente quanto seu Xavier, o que é maravilhoso pois demonstra o comodismo de seu personagem e ganha um imenso destaque em dois momentos da trama, quando, de fato, ele se faz presente no confronto e no desejo. Já Pierre-Yves Cardinal é uma espécie de fetiche, o bonito, másculo e viril empreiteiro, que nos cativa por sua simplicidade e romantismo, ainda que tenha muitas falas, comportamentos e opiniões problemáticas. Em parte da trama, talvez por culpa do roteiro, seu personagem se perde na caricatura e aí o negócio da uma leve desandada.

No filme temos algumas personagens que são pequenas e incríveis. Christine Beaulieu é Karine, uma dona de salão, mãe de dois filhos e cunhada de Sylvain. Com pouquíssimo tempo de tela, entendemos sua personagem, seus desejos e aspirações como mulher.
E temos incríveis matriarcas: Marie-Ginette Guay, vive Sylvie, sogra de Sophia, que, casada há anos com o Pai de Xavier. Ela vê sua vida desmoronar ao ter que cuidar do marido que está com Alzheimer. Segunda a própria personagem, não sabe como vai viver sem o amor da sua vida. Micheline Lanctôt é Madeleine, a mãe de Sophia, que não só tem falas ótimas, como consegue trazer sobriedade para essa mulher burguesa, com um humor ácido e preciso. E, por último, mas não menos importante, temos Linda Sorgini. Ela vive Guylaine, mãe de Sylvain, que é uma das melhores e mais sutis caricaturas de matriarcas expressivas e diretas. Um deleite curto e valioso a trama.
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“A Natureza do Amor” exerce seu propósito questionando os pontos que levantamos no início do texto. Junto aos filósofos citados pela protagonista ao longo do filme, vemos o desenvolver desse sentimento. Nessa vivência, o aprendizado vivido por Sophia, nos responde que cada experiência é única e ratificado por sua perspectiva de vida. Sabemos que as respostas não podem ser encontradas e validadas pelo mesmo motivo. Com altos e baixos, o longa é interessante, não um destaque.

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