Espetáculo dirigido por Claudia Ventura e Alexandre Dantas traz elementos circenses com elenco jovem e talentoso
O “Auto da Compadecida” finalizou a 2ª temporada no Rio de Janeiro, no teatro Cândido Mendes. Dirigido por Claudia Ventura e Alexandre Dantas, o espetáculo traz uma interessante e divertida versão contemporânea do clássico, escrito em 1955, por Ariano Suassuna.
Com diferentes montagens para o teatro e adaptada diversas vezes para o cinema e televisão a obra, escrita por um dos mais renomados dramaturgos do século XX, é uma das mais emblemáticas da literatura e do teatro nordestino.
A versão, realizada pela In Cena Casa de Artes e Produções, faz parte do curso de “Prática de Montagem” da escola. A produção consegue ser bastante fiel ao texto, mesmo se distanciando em alguns aspectos das versões que estamos mais familiarizados (principalmente, por causa do sucesso do filme dirigido por Guel Arraes nos anos 2000).
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Nesse cenário colorido e vivo, uma trupe de circo ganha vida, retratando de forma singular a essência da região. É aqui que somos apresentados aos inesquecíveis João Grilo, o anti-herói cheio de astúcia, e seu leal parceiro Chicó, em uma trama repleta de peripécias e reviravoltas. Na história, são explorados temas como a religiosidade popular, a corrupção e a desigualdade social, permeados por um humor perspicaz, ironia afiada e uma irreverência típica das obras de Suassuna.
Espetáculo se conecta com o público pelo texto e linguagem
A história de Suassuna é uma crítica bem humorada de uma realidade social em que a população precisa se virar para sobreviver, ainda que isso custe mentiras e golpes como bem retratam João Grilo e Chicó. Ao mesmo tempo, mostra as relações de poder e corrupção na Igreja e fora dela (eu já vi o filme inúmeras vezes, mas foi na peça que a crítica social aos pontos mencionados gritaram para mim. Não sei explicar o motivo, “só sei que foi assim”).
A conexão com a platéia já se inicia na recepção, onde os atores espalhados oferecem os lugares, perguntam seu nome, voltam ao palco e dançam, brincam, pulam como realmente faziam as antigas trupes circenses.
É um encanto a mais ver os atores recebendo o público, já em seus personagens, muito bem construídos por sinal. É tudo tão natural que a platéia retribui com gentileza a cada gesto.
Um espetáculo sobre moral
A atualização do texto rende risadas e também reflexões sobre o racismo, relações de poder, corrupção, relacionamentos abusivos e questões de gênero. Toca no moralismo, sem querer convencer ou ofender a ninguém, porém é muito claro ao “colocar o dedo na ferida” de forma precisa.
O texto, que traz elementos da literatura de cordel, foi muito bem representado pelos atores, que tem uma rica troca entre eles. É nítido o quão estão entrosados e, principalmente, o envolvimento deles com a obra e o quanto estão se divertindo em cena.
A metalinguagem é presente no espetáculo de forma intensa. Em vários momentos o elenco se refere ao público sobre a peça, afora claro as piadas e improvisos, que demonstram a integração e união de todos.
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Belo trabalho entre direção e elenco
Com uma direção perspicaz e uma excelente marcação de cena da dupla Claudia Ventura e Alexandre Dantas, de forma cirúrgica o enorme e potente elenco conseguiu “bailar” entre o espaço, demonstrando um bom trabalho de corpo e voz.
Foi louvável perceber que todos tiveram espaço para mostrar seu potencial e cada um teve o seu momento em cena. A boa construção é ainda mais nítida na troca de diferentes personagens feitos pelos mesmos atores, com gestos psicológicos bem desenvolvidos e ótimo domínio do palco.
Cenário, figurino e maquiagem simples, porém funcional
A peça inicia com a apresentação do cenário: 3 colunas de bancos que formam 3 quebra-cabeças e também a padaria, a Igreja e a praça. Ao longo do espetáculo o elenco monta e desmonta com precisão e velocidade.
A marcação foi muito bem definida, afinal não é tão fácil se movimentar e ainda montar e desmontar cenários em um espaço pequeno e com muitos atores em cena.
Para a composição dos personagens, a maquiagem e o figurino abusam, no melhor sentido da palavra, de elementos que remetem ao clima nordestino mas também à atmosfera circense. De forma simples e objetiva, é fácil identificar Nossa Senhora pela roupa branca e azul e o acessório do cabelo, por exemplo. O Diabo de vermelho não nega o simbolismo.
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A troca de roupa em cena se faz de forma bem natural pelos atores que interpretam mais de um personagem, como citamos acima. O Coronel se transforma em Diabo com uma única capa e o Cangaceiro surge a partir de um básico colete.
Uma montagem feita com cuidado
É perceptível o cuidado e atenção com os detalhes para fazer a melhor entrega possível de acordo com o que a produção tinha disponível. Uma iluminação sutil, que prevalece em alguns momentos, e a trilha gostosa que se faz presente durante o espetáculo, bem como os poucos elementos cênicos, foram suficientes para retratar o universo de Suassuna.
O elenco é jovem e traz nos olhos o brilho e amor pela arte. A trama de Chicó poderia ter sido um pouco mais desenvolvida mas, claro, é preciso fazer escolhas e não dá para colocar tudo. O resultado final, foi um público empolgado que interagiu o tempo todo.
Imagem Destacada: Divulgação O Auto da Compadecida
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