O lançamento do segundo episódio de “Komi-san wa komyushou desu” no Brasil trouxe mais uma vez um debate da linguagem à tona. A questão da tradução envolvendo o uso do chamado “gênero neutro”, variante linguística minoritária e fenômeno recorrente nas línguas românicas modernas, algo já discutido em outra ocasião aqui pela Woo. O uso de uma alternativa por pronome neutro na Netflix não é exatamente algo totalmente novo, sendo parte da trama de “Sex Education” (série) e “Blue Period” (anime).
Durante toda a adaptação do segundo episódio, em que a personagem Najimi Osana tem maior destaque, foram utilizadas referências como “su amigue”. A polêmica, já nascendo pelo uso da variante de menor prestígio, também envolve a questão identitária de Najimi propriamente. Osana, em diferentes momentos, usa marcações ambíguas de gênero nos mesmos diálogos para referir a si, chegando a se declarar mulher (女/onna) e homem (男/otoko) no mesmo episódio.
Pode-se classificar tanto japonês e português (e mesmo latim), como línguas sintéticas, com alto uso de flexão em verbos, isto é: “corríamos”, por exemplo, informa uma ação, aspecto, temporalidade, pessoa; fenômeno semelhante ocorre com o idioma da Terra do Sol Nascente. Porém, quanto aos substantivos, o japonês é extremamente analítico, ao contrário do português: “tomodachi” (友達), afinal, pode ser tanto amigo quanto amiga, amigos ou amigas.
Isso, por si só, poderia eliminar qualquer discussão da forma como o gênero atravessa a língua, mas não é o que acontece, já que o fato do gênero (e não sexo) não ser marcado no fim de palavras não quer dizer que categorias de gênero não existam. Em Komi-san, Najimi, tanto no anime quando no material fonte, o mangá, o personagem se refere a si mesmo com referências pronominais ambíguas, como o uso de “boku” (literalmente “eu”, mas com toques masculinos e até infantis) — o que, porém, não é um atestado de gênero por si só. Não faltam exemplos de garotas que usam boku (僕) como amostra de inconformismo e irreverência (as “bokukko”/僕っ子), um exemplo seria Zero Two de Darling in the Franxx. Para Najimi, as referências são ainda mais obscuras, pois seus colegas, corpo acadêmico e até o narrador misturam marcações masculinas, femininas e neutras.
Najimi é quase que o perfeito oposto de Komi-san. Enquanto Osana é hábil socialmente e faz amigos com facilidade, o mesmo não pode ser dito de Komi-san, ao ponto que sua presença é um fenômeno a parte: Não é um ser humano convencional — nem homem, nem mulher, mas Najimi, por palavras do próprio autor — ao ponto que sua própria existência é uma sátira das convenções. Afinal, Osana nasceu no 1º de abril.
É de pensar que alternativas neutras nem sempre passam pelo uso de um pronome neutro, como a própria tradução oficial, tanto no Brasil quanto no resto da América Latina, fez em alguns trechos. Há duas forças presentes: a dinâmica da aversão social pela variante, quanto o não uso do masculino e feminino ao mesmo tempo, que poderia gerar um apagamento de alguma forma da identidade da personagem. Não é de se negar, porém, que assim como no original, a escolha da equipe de tradução conseguiu manter o valor de choque e de deboche com as convenções de gênero.
Komi-san não é exclusivo nessa toada. O também em lançamento “Blue Period” possui uma personagem com marcações ambíguas e cujo gênero é desconhecido. Se no mangá posteriormente “Yuka-chan” irá pensar em uma eventual preferência referencial, o questionamento de sua identidade vem a ser parte fundamental da própria trama — e esconder marcações inerentemente masculinas e femininas no discurso, sobretudo falado, é uma grande dificuldade, ainda mais para quem não está acostumado.
Osana najimi wa kurorekishi wo shitteiru (長名なじみは黒歴史を知っている)
Childhood friends know your shameful past
Amigos de infância sabem seus micos do passado
Osana Najimi conhece seu passado sombrio
Transcrição do original, tradução para o inglês pela Netflix, tradução para o português pela Netflix e tradução para português pela Woo. Notar que em vários momentos o material original prefere usar o nome da personagem do que usar um referente pronominal/dêitico.
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Meu.. por isso detesto dublagem ocidental desses anos pra cá. Além dos cortes sem sentidos ainda aparece isso.
A regra é clara, tem “chan” é mulher, tem “kun” é homem e se der de escrever “amigue” numa prova de português, a menos que o professor seja um esquerdista doente, você toma um zero, simoles assim. Espero que o Japão ainda demore bastante pra absorver o monte de lixo cultural ocidental que temos por aqui.
Oi! Autor aqui.
A questão não é tão simples assim. Embora os honoríficos tenham algum nível de implicação de gênero, não são restritos. Vale pensar em Boku no Hero Academia: Deku chama Katsuki de “Kacchan” e iida chama Uraraka de “Uraraka-kun”.
O japonês é uma língua sem gênero nas terminações (como o português) e obviamente não tem como/porquê se fazer algo exatamente espelhado, mas não faltam exemplos de personagens com marcações ambíguas e até estranhas para os olhos do leitor médio.
E, bem, linguagem neutra é um registro informal, nem por isso não quer dizer que não exista e não faça parte da língua. O português normatizado não é e nunca foi o mesmo do falado, até porque a novação linguística é natural para toda língua do mundo — o que não quer dizer, claro, que as pessoas não tenham suas próprias opiniões e, por exemplo, não queiram aderir uma gíria ou um registro de fala.
Abraços o/
Nick, essa sua fala não faz sentido algum, quando a Netflix bota um gênero neutro na legenda eles “forçam” a maioria que nunca apoiou isso a ler essa linguagem, e não queira usar a falta de gênero que é mais comum na linguagem japonesa pra justificar essa ação, no Brasil a linguagem neutra não é utilizada de forma comum na sociedade, logo é diferente do Japão que já faz uso disso, então pra uma população (japonesa) tem uma razão, já pra outra (brasileira) não tem!
Obs: fazer uma legenda é um trabalho formal, tem sim uma liberdade pra fazer piadas e etc, mas é formal, não posso falar sem contexto um “eu te vejo *dps*”, sem contexto eu nunca vi isso sendo aplicado, não posso usar essas coisas de WhatsApp na legenda pq como eu disse é um trabalho formal!
cara, abandonei já duas séries da netiflix por causa dessa droga de genero neutro… quer empurrar essa droga de genero neutro a qualquer custo, porque não deixa duas legendas então, mas só tem a opção com essa droga de genero neutro… qu emerda viu, só pra ler as legendas com isso é um sufoco pra entender, se n tiver como pausar vc perde o raciocinio tentando disvendar …triste viu… fica uma minoria querendo empurrar essa droga de genero neutro pros outros terem de engolir a pulso… e se adotarem isso na netflix eu largo de mão e paro de contratar a netflix, porque acho isso uma invasão.
Não faz diferença nenhuma o uso do pronome neutro na experiência geral do anime. Entendam que uma tradução não precisa usar a forma culta da língua, principalmente em contextos informais, e, você querendo admitir ou não, o pronome neutro existe e é um dialeto usado por um grupo de pessoas. Contanto que não seja utilizado em um contexto que exija a forma culta da língua, esse dialeto pode ser utilizado. É exatamente a mesma coisa de usarem gírias numa legenda.
Além disso, se uma pessoa não se identifica com ele ou com ela, e prefere que usem o pronome neutro para se referirem a essa pessoa, então você é obrigado a usar o pronome neutro, porque é uma preferência pessoal da pessoa. E no caso da personagem, o pronome neutro é utilizado justamente porque a personagem não se identifica com nenhum dos gêneros, ou se identifica com os dois ao mesmo tempo, então faz sentido dentro do contexto. Não tem porque reclamar.
Muitos também esquecem que em fansubers é usado legendas de tradução da pessoa que fez a tradução, logo o que se tem na Netflix não é possível,em nenhuma plataforma, nem HBO e Amazon também, também o Chan pode ser usado em garotos menores de idade e entre amigos, só que tem que ser amigo de infância (pelo mangás que li é mais usado assim), nem se trata de política, a Netflix já deixou um comediante que fez piada como transexuais, logo qualquer coisa no quesito ” esquerdista ” não é um bom argumento só pq o anime usou este termo.
Pelo que eu entendi, usaram o pronome neutro em forma de ironia pela najime ser tratada como menino pelo tadano. Só não entendo pq tentarem forçar isso em outras séries da plataforma.
Não, eles aproveitaram uma situação conveniente pra usar a linguagem neutra, não foi como piada, isso inclusive justifica a insistência dessa linguagem em outras séries!
Ainda bem que assisti com a legenda de um fansub. Melhor que essa droga que a Netflix trás para nós