Através dos produtos culturais que consumimos desde a infância, assimilamos o modelo do monomito. Arquétipos e funções estão tão assimilados em nosso inconsciente, que estendemos para a vida prática noções um tanto quanto dicotômicas. Se alguém nos desagrada, pronto, etiqueta de vilão, se entramos em discordância sobre qualquer assunto, lados diferentes, bem versus mal. E é óbvio que sempre gostamos de acreditar que estamos no lado da virtude e retidão de caráter, mas tal coisa existe?
O que é interessante no filme “A Separação”, configurando com “Dúvida”e “A Fita Branca” (entre meus filmes favoritos), é que usa o cinema para nos oferecer um espelho da autoavaliação: será que é tudo preto no branco mesmo, e se nos compadecermos de situações múltiplas, sobreviveremos? É preciso sempre ter um veredicto definitivo sobre tudo, estamos eternamente sentados em um tribunal?
Temos mais dúvidas que certezas, mesmo quando vestimos a capa da moral inquestionável, no fundo de nós há sempre a pergunta, será que eu também não me equivoquei? No centro do filme há um casal, em processo de separação, em um país em que o divórcio não se dá com tanta facilidade. Aqui a questão cultural e local é imprescindível para o mundo inconfundível que explica a cena que dá início a tudo. A esposa não quer mais estar em seu país de origem, ela quer mais para ela e para a filha. O marido não quer ir, não por qualquer motivo fútil, mas por apego ao seu pai idoso, que sofre de Alzheimer. Em uma das dinâmicas, já tendo que lidar sozinho com seu pai, o marido tem um desentendimento com a cuidadora do mesmo, causando outra situação de desconforto e embate ético: ele empurrou a moça grávida da escada ou não?
Com mais perguntas do que definições, obras como “A Separação” elevam o cinema ao seu status filosófico de origem e são mais a isca que a pescaria inteira. É mais interessante pensar junto e admitir que não somos plenos e infalíveis, que consumir apenas aquilo que já oferece respostas categóricas e rasas. No mundo daqui, que não é de Aristóteles ou Joseph Campbell, as questões são menos ritmadas e fazem menos sentido, o cinema que não é de blockbusters ou explosões nos doa um importante silêncio e vazio, onde fica a sala da existência humana; não sabemos nada.
Por Érika Nunes
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