Falar do anime é também dar conta de décadas de história da maior franquia multimídia de todos os tempos
Se na última vez tivemos a difícil tarefa de falar, e trazer um contraponto, a “Neon Genesis Evangelion”, o nosso anime da vez na nossa série de clássicos é igualmente desafiador: “Pokémon”. Favorito pessoal de infância, revisitaremos a história dessa peça fundamental da franquia na construção de um imaginário individual e coletivo que moldou a cultura pop desde seu lançamento nos anos 90.
A primeira e última geração de Pokémon estão disponíveis na Netflix, as demais na Prime Video; disponibilidade pode ser diferente a depender da região.
Missão impossível
“As misteriosas criaturas desse planeta… os Monstros de Bolso, “Pokémon”, para abreviar! Agora a história do jovem Ash e dos Pokémon, seus encontros, aventuras, e batalhas, irá começar!”
Texto de introdução nas aberturas japonesas de Pokémon entre 2001 e 2016
Apresentar o que é Pokémon é um desafio: ao mesmo tempo que é uma franquia onipresente na cultura pop de cada, é também uma série de 25 temporadas (contando “apenas” a saga Ash Ketchum) em que cada um dos 8 continentes é um novo começo, ignorando parcialmente o universo anteriormente estabelecido.
São 1.232 episódios, cerca de 410 horas (ou 17 dias) de material e, ao contrário de “One Piece” — com contagem similar de episódios — a história é errática no sentido que, como há um reset a cada novo continente, não é necessário assistir a saga anterior para acompanhar a série, cada uma sendo uma reapresentação do universo para uma nova geração de crianças.
Leia Mais: O Fim de uma Era? Ash Ganha a Liga Mundial
Poderíamos julgar a série original (274 episódios), que fecha um arco completo, porém emenda conteúdo com a geração seguinte. Por razões arbitrárias, escolhemos falar um pouco de cada um dos grandes blocos do clássico, com seus altos e baixos, até o fechamento da série que os fãs pensavam que continuaria ad eternum. Não foram considerados filmes e especiais (como “Pokémon Chronicles”).
A série original: brilhante, mas redundante
“Esse meu jeito de viver, ninguém nunca foi igual.”
Abertura um de Pokémon em Português Brasileiro
O primeiro episódio da série, “Pokémon, Eu Escolho Você”, sintetiza o tom que a série pretende abordar: Ash Ketchum é um garoto de dez anos em um mundo em que criaturas com poderes especiais, os Pokémon, existem. Ele parte em uma jornada para se tornar um Mestre Pokémon, e vai até o laboratório do maior pesquisador e autoridade sobre essas criaturas no planeta: o Professor Carvalho.
Por ter acordado tarde e se atrasado — relatable! — ele não tem mais as três opções que um treinador iniciante possui. Em seu lugar, o professor oferece uma outra criaturinha: um Pikachu — que vem a se tornar o mascote da franquia — que não parece obedecer aos comandos de Ash.
Em um vai e vem, ambos são atacados por uma revoada de pokémon (Spearow) hostis e Ash o protege com seu corpo, ganhando seu respeito, ao que o roedor amarelo lança um poderoso choque elétrico e salva o dia — atraindo no processo a atenção de um trio de bandidos pelo seu poder fora de série. No fim do dia, Ash e Pikachu contemplam o horizonte com um arco-íris formado por um Pokémon ainda não catalogado (o lendário Ho-oh); ainda há muito para se descobrir sobre esse universo tão grande e misterioso, afinal.
Essa primeira sequência é uma aula de roteiro por vários motivos: apresentar um universo mágico de forma lúdica, um protagonista carismático e suas motivações (ainda que os roteiristas tenham se aproveitado em excesso da dubiedade da definição de “mestre”), e uma micro jornada do herói com um gostinho de quero mais — o mistério de uma descoberta de enorme opulência, bem como a vindoura ameaçada de uma trupe da bandidos atrás de uma criança de 10 anos.
Somos também apresentados a uma garota ruiva chamada Misty, que em breve descobrimos ser a líder de um ginásio do tipo água. Isso porque Ash precisa derrotar ao menos oito ginásios, obter insígnas como prova de sua vitória, para poder ter direito de enfrentar a Liga Pokémon, o torneio que reúne os melhores treinadores, e se tornar o número um.
É de Misty que Ash rouba a bicicleta no primeiro episódio e a destrói na fuga dos Spearow, juntando-se a ele com o pretexto que o rapaz pague pelo que fez, além de seu desejo de viajar pelo mundo para se tornar uma melhor mestre dos tipo água. O mesmo pode se dizer do também líder tipo pedra Brock, que decide seguir a dupla e se torna o mentor e irmão mais velho do grupo. Por coincidência, tanto Misty quanto Brock dão insígnias para Ash por pena.
Leia Também: Animes Clássicos | InuYasha
Feita essa longa, mas necessária, apresentação, o anime de Pokémon segue mais ou menos essa estrutura ao misturar episódios com alguma progressão para a história original — capturando Pokémon, evoluindo-os, adquirindo novos movimentos, batalhando em ginásios, etc. — e os recheios, mais formulaicos, com uma história se encerrando, via de regra, dentro de um mesmo capítulo.
A saga clássica pode ser dividida em duas (ou três partes). Isto porque narra a viagem de Ash pelo continente de Kanto, até sua derrota na liga, viajando então para as Ilhas Laranja, e por fim para Johto — um continente anexo, como Europa e Ásia, que compartilha a mesma liga pokémon. E, oh, céus, lá vamos nós.
Ainda que Ash não se torne campeão, a saga original com Kanto é puro ouro. Sim, há erros de continuidade — como Onix, tipo terra, não serem imunes à eletricidade — problemas de produção e polêmicas com episódios banidos internacional e mundialmente, dos quais listamos abaixo alguns — mas como ignorar que isso faz parte do charme (alguns desses erros sendo tão amadores)?
- Episódio 38: “Porygon, Guerreiro do Computador”, banido por apresentar flashes elétricos exagerados e causar mais de setecentos episódios de ataques epiléticos em telespectadores, e botar o show em hiato por quatro meses.
- Episódio 19: “Tentacool e Tentacruel”, retirado de circulação nos EUA durante um tempo pela destruição de um prédio (que aparece também na abertura), por possíveis associações ao 11 de Setembro e, posteriormente ao Furacão Katrina em 2005.
- Especial “Feriado à la Jinx”, banido pela pele negra da Pokémon Jynx ser uma caricatura racista. O episódio foi editado posteriromente, assim como a espécie na franquia como um todo, para mostrar o Pokémon com uma pele roxa.
- Episódio 4: “O Desafio do Samurai”, banido na Coreia do Sul por, sim, ter uma representação de samurai. Vale lembrar que há um sentimento de ressentimento no país em razão de crimes de guerra japoneses na Segunda Guerra e anteriormente, não sendo esse o único episódio banido no país por possuir referências à cultura nipônica.
Não existe “filler” na série clássica, ou melhor, mesmo os episódios para retardar a produção são peças imperdíveis, e não por acaso os frames continuam rendendo virais até os dias de hoje, a títulos de exemplo 20: “O Fantasma do Pico da Donzela”, ou 33: “A Poké-corrida”, apresentando Pokémon em situações corriqueiras, como competições, vida profissional, morte, etc., e que temporadas seguintes não foram tão bem sucedidas em replicar.
Impossível falar desse sucesso e não mencionar dos personagens mais carismáticos de todos. A atrapalhada Equipe Rocket, com Jessie, James, e Meowth, mais memorável que os próprios protagonistas, serviram os momentos mais divertidos (37: “A Mansão Misteriosa do Ditto”), e mais tristes (48: “Sagrado Matrimônio”). Não há metade disso sem “a Equipe Rocket está decolando de novo”.
Ainda integra a primeira parte a saga de das Ilhas Laranja, a primeira e única liga ganha por Ash Ketchum até Alola, e que serviu para botar um freio antes da entrada do próximo continente, que só seria apresentado ao mundo no fim de 1999 com “Pokémon Gold and Silver”. Do que foi dito até agora, não há muito o que se acrescentar, com exceção da substituição de Brock por Tracey, um downgrade temporário decorrente da paranoia da franquia com representação de personagens negros após o incidente Jynx.
Mas nem tudo são essas mil maravilhas.
Não integrasse a série clássica, a passagem de Ash por Johto passaria batida, ao menos pelos fãs mais fiéis. Isso porque a trama que, como outras temporadas gira em torno da disputa em ginásios pela liga, os roteiristas não foram tão felizes em contrapartida com seu recheio: Johto está repleto de fillers, boa parte não sendo tão interessante assim — em contraparte, aqueles escritos por Takeshi Shudou destoam positivamente em qualidade. Em defesa de Johto, aliás, a Equipe Rocket está em excelente forma, com Wobbuffet sendo a perfeita adição ao time.
Outro problema em Johto, grande balde de água fria, é a inconsistência. Enquanto parte importante da trama estava planejada para girar em torno da Pokébola GS, que conteria o pokémon Celebi, mas o plot foi descartado por alguma razão não explicada — possivelmente sendo transferido para o quarto filme “Viajantes do Tempo – Celebi, a Voz da Floresta”. Apesar do plot ser introduzido e utilizado como motivador da viagem da turma Johto, ele nunca foi concluído e explicado.
Indo ao famoso “muito texto, não li”: Kanto (e Ilhas Laranja) são geniais e tiveram papel fundamental na febre pelos monstrinhos. Johto, por outro lado… perdeu um pouco de gás.
Sagas Hoenn e Sinnoh: Grandes acertos, boas adaptações
“Sempre pelas mesmas estradas, com os amigos do meu lado.”
Abertura oito em Português Brasileiro
A partir desse ponto há de soar repetitivo falar de Pokémon; a fórmula de reset entre gerações para promoção dos jogos originais da franquia se tornou lugar comum no imaginário popular, mas não por isso há muito menos para se adicionar sobre a produção de cada uma dessas temporadas.
A razão para unir Hoenn e Sinnoh em um mesmo topico é que ambas possuem pontos importantes em comum de inovações e continuidades, anteriores ao rompimento na geração seguinte. Além de Brock, Ash é acompanhado pela primeira vez por uma protagonista feminina com objetivos palpáveis, tanto May (Hoenn) quanto Dawn (Sinnoh) querem se tornar top-coordenadoras. Vamos evitar falar do companheiro de jornada Max, que é, no máximo, um mecanismo de roteiro réplica de Brock.
Por causa disso, há uma certa alternância entre os objetivos de protagonista masculino e feminina, uma adaptação que tirou leite de pedra do novo gimmick dos jogos à época, e que não fazia um por cento de jus à inovação trazida em anime. Os torneios, sobretudo em Sinnoh, eram a parte mais interessante e caótica da série: batalhas, graciosidade, humor, leveza, mas não por isso menos tensão.
Isso não ficou restrito apenas às garotas. Com os torneios sendo tratados com igual seriedade e não limitando a participação masculina, possibilitou-se participações de Ash nessas modalidades (que contribuíram para seu desenvolvimento como treinador), além de dar à Jessie participações cômicas (mas também emocionantes) com seu novo sonho de ser coordenadora. É apenas uma pena que isso tenha sido abandonado em definitivo em temporadas futuras.
Ademais, o arroz com feijão é o mesmo: Ash Ketchum ainda é um garoto de impossíveis dez anos cujo sonho é se tornar um mestre pokémon, do qual ninguém sabe bem definir o que é.
Semelhante ao que ocorreu durante a primeira temporada, como preparação para a geração seguinte, os roteiristas prepararam uma temporada de enchimento entitulada “Batalha da Fronteira”, aproveitando uma das novidades trazidas com os jogos da terceira geração. Essa menção honrosa vale uma estrelinha dourada por revisitar antigos companheiros e conectar conteúdo com temporadas passadas, subaproveitado na franquia até então.
Saga Unova: é melhor fingir que não aconteceu
“É sempre difícil começar outra vez.”
Abertura catorze em Português Brasileiro
Não falamos de Unova, não, não não.
Para muitos a geração que melhor entendeu e trouxe os melhores elementos da franquia nos jogos, o anime de Unova é uma grande decepção. Com um tom mais sombrio nos jogos, os roteiristas não foram capazes de nem expressar a filosofia de “Black & White”, muito menos dosar isso com humor.
A geração que deveria ser um divisor de águas na franquia ficou manchada pela animação. Não há pokémon nativos de outros continentes aqui, o que é um grande choque e apontado, erroneamente, como o motivo do fracasso dessa geração, que entrega uma Equipe Rocket totalmente descaracterizada/sem graça, e o pior trio de protagonistas das oito jornadas.
Não que o desentendimento inicial de Ash e Dawn na última temporada fosse divertido de se assistir, porém havia outras coisas para se prestar atenção; Iris, por outro lado, não possui um objetivo claro, e diferente de Misty não chega ao ponto de divertir com sua briga de gato e rato.
O mesmo pode se dizer de Cilan, a substituir Brock. Enquanto ambos servem como mentores-enciclopédia, Cilan é só exageradamente efusivo: interessado em tantas coisas (trens, pescaria, criação Pokémon), não há nada que faça seu objetivo criado para o anime, tornar-se um especialista (connoiseur) mais interessante que assistir tinta secar — pela boa graça de Arceus, pouco tempo de tela foi dada a essa parte.
Narrativamente falando, pretendia-se abordar os novos vilãos, a Equipe Plasma, nos episódios 23 e 24 da temporada (ou 680 e 681 no geral), contudo, devido a cenas com terremoto, eles nunca foram ao ar e sofreram retcon. Pode-se dizer que isso atrapalhou o desenvolvimento da trama num geral, mas dá para botar a culpa em um evento de força maior quando tantas outras escolhas questionáveis foram tomadas?
Se Johto é criticada pelos seus fillers pouco interessantes, poderíamos chamar Unova, que esqueceu que este é um desenho para crianças, de um grande filler?
Saga Kalos: um retorno morno apoiado por uma temporada anterior ruim
Kalos é uma brisa de ar fresco adorada por muitos fãs da série, e ajuda muito que tenha vindo logo após Unova — os padrões não estavam muito bons, para ser sincero.
Falemos então de Serena, a protagonista feminina da vez, honestamente mais lembrada por material de shipping como a única garota a ter de fato beijado Ash no anime. A eliminação dos torneios foi uma grande perda para a série, e Serena acaba sendo vítima dessa decisão (relacionada aos contests não existirem por não serem tão populares assim nos jogos), e precisamos falar sobre isso.
Enquanto os torneios recebiam igual atenção que os desafios a ginásio, não se pode dizer o mesmo das “exibições” dos performer: não há batalhas, os episódios não são interessantes, e ainda há o retrocesso dessa ser uma carreira voltada às meninas — quando Drew, Kenny, Harley, e Nando eram outrora contrapartida à esse tipo de divisão demodê — não há metade do planejamento de temporadas anteriores, dando a impressão de ter sido um objetivo criado às pressas para Serena.
Restam elogios para o restante do elenco principal. Clemont é um excelente companheiro de equipe e uma perfeita substituição para Brock, há de se ousar dizer que até melhor; enciclopédico, mas atrapalhado e dentro do tom. Bonnie, por sua vez, corria o risco de recair no arquétipo de Max, mas tomou para si o papel de alívio cômico, não ficando a ele reduzida, contudo, participando no desenvolvimento do plot chave da temporada.
Saga Alola: se errou foi tentando acertar
“Eu sei que posso me acostumar…”
Abertura vinte em Português Brasileiro
Alola foi o segundo ponto da franquia que, diante do desgaste do modelo tradicional, tentou se fazer alguma coisa diferente. Em “Sol e Lua”, Ash é acompanhado por mais cinco protagonistas, e a trama gira em torno de Ash aprendendo em uma escola, junto aos seus companheiros, enquanto participa dos “desafios de ilha”, uma vez que Alola não possui nem ginásios nem ilha.
Não vamos falar dos personagens um por um, como nas outras seções, especialmente porque o anime de Alola é um universo próprio e que não deveria ser comparado na mesma régua que as outras temporadas. O anime é pura palhaçada, sem sentido derrogatório, tanto que a Equipe Rocket aproveita isso da melhor forma e está de volta com tudo.
Não há nada de errado com a mudança no estilo de arte por aqui, que entrega (e esfrega) a mudança na proposta para a temporada. Ash e companhia estão de férias, essa não é uma temporada a ser levada a sério; é uma pena que a liga Pokémon que Ash tenha ganho seja a mais absurda de todas — quando já era para ele ter ganhado há muito tempo.
Saga Journeys: o Fim
“A jornada começa agora.”
Abertura vinte e três em Português Brasileiro
Irônico que uma temporada cuja abertura seja “a jornada começa agora” seja a celebração de tudo que já foi vivido até então.
“Journeys” é uma bela homenagem aos fãs de toda a franquia ao longo desses mais de vinte anos. É o aceno de que uma era está chegando ao fim, e por isso Ash revisita todos os seus antigos companheiros de viagem — com exceção de May, por questões de saúde da atriz de voz original — e isso reflete no retorno de audiência perdida.
É também o retorno do há tanto tempo deixado de lado “temos que pegar”. Goh, único companheiro fixo de viagem aqui, põe sangue, suor, e lágrimas no seu esforço de completar a PokéDex, capturando toda espécie de Pokémon. O que põe em prática um problema que os roteiristas perceberam a partir do dia um: levar isso a sério perde um pouco da magia da captura (e treinamento).
Essencialmente, Journeys não é uma temporada ruim, mas no máximo morna. Há de volta um espírito de algo novo, e é de aquecer o coração que inclusive personagens que apareceram por apenas um capítulo retornem aqui como uma homenagem à própria história da franquia, contudo, não há espaço para muita coisa se desenvolver aqui.
Paralelo ao esforço de Ash em atingir o primeiro lugar no ranking de treinadores no campeonato mundial, o retorno de vários personagens, um atrás do outro, mostrando como estão suas vidas após se despedirem é até bonito, mas repetitivamente cansativo, e objetivamente uma tentativa de prender a audiência através da nostalgia barata, igualmente pouco explorando sobre a nova região de Galar e seus Pokémon.
Soma-se a isso que as batalhas, via de regra, não conseguem convencer como antes. Leon, montado como arquirrival de Ash, não é fração de ameaça que a campeã Cynthia oferece, embora a trama tente fazê-lo parecer ser tão interessante quanto. Ao fim, é ótimo que as coisas tenham acabado bem, Ash não se considera ainda um mestre Pokémon, o que dá pano para mostrar que sua jornada nunca terá fim; mas já era passado do tempo de botar uma pedra sobre o que passou.
A tarefa de falar de algo que não é feito (mais) para você
Pokémon é um anime para crianças, e aí o que fazer?
Sempre que falando de determinados tipos de mídia, uma fala censurante, quase proibitiva, é carta marcada: “esse tipo de produto não é feito para você”. A melhor coisa que se pode fazer com esses comentários é, da mesma força, jogá-los fora.
Levá-los ao pé da letra acarretam aceitar que ocidentais não devem fazer críticas tidas como progressistas por aqui à obras japonesas, ou que garotas não tenham o direito de se sentir desconfortáveis com como personagens femininas são representadas em obras shounen. Ou ainda, usando um exemplo recente, que latino-americanos não devam fazer críticas a um autor japonês que escreve e desenha uma personagem brasileira, dando-lhe o nome “Latina”, com inteligência artificial, abusando de falsas concepções sobre a América do Sul.
Certo, talvez não seja para tanto. É verdade que obras feitas para o público infantil não devem ser lidas na mesma chave de um Dostoiévski, mas não por isso não devem ser valorizadas e criticadas quando mereçam; enxergar porque algo funciona (ou não) é uma forma de se apreciar uma mídia, e pela mesma razão há motivos objetivos do porquê, ao longo do tempo, “Bob Esponja” ter se tornado uma paródia ruim de si mesmo, o envelhecimento do público original não sendo uma delas.
Escrever esse artigo é também revisitar um desenho que foi, e continua sendo, muito caro a quem vos escreve. Pode ser que enquanto criança não exista o mesmo arcabouço para discorrer sobre um produto de mídia, o que não quer dizer que os pequenos não tenham opiniões e consumam tudo acriticamente: muitos dos pontos levantados já eram relevantes para esse autor, tantos anos mais jovem.
“Pokémon” é um clássico por ser a maior franquia de todos os tempos em números, quiçá sua qualidade seja mesmo vascilante, e nessa tarefa que nos propormos de avaliar vinte e cinco anos de conteúdo seja uma batalha perdida. Com todas contradições até aqui mencionadas, nossa nota final não vai mudar o carinho pela saga, e muito menos seu impacto cultural em três gerações de crianças. Mas, cá entre nós? As coisas boas devem ter o seu fim.
Imagem Destacada: Divulgação/Netflix
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.