Elas são sagazes, bonitas, interessantes, bonitas, e claro: muito bonitas. Porém, possuem uma condição ainda sem tratamento para a medicina moderna: a Síndrome da mulher em shounen.
Nesse artigo, o Prof. Dr. em Kakegurui, Nickolas, irá analisar quem são esses indivíduos, onde vivem e qual seu prognóstico.
Um lugar chamado Shounen
Definindo-se como uma demografia — e não um gênero — de mangás e animes, o shounen é aquela obra voltada para o público alvo “jovem garotos”.
Embora pensando num todo seja possível definir alguns estereótipos tradicionais — trama sobre luta, defesa de amigos/família/sociedade, histórias de superação, protagonista bobão e comilão — não necessariamente o roteiro vai conter ou girar em torno dessas questões.
Agora um exercício de imaginação: como são as personagens femininas nas mais famosas obras shounen?
Tomando como exemplo Dragon Ball: não há nenhuma mulher que tenha destaque e chegue aos pés de Goku.
Em Naruto, a situação não é diferente: Sakura é um dos protagonistas, mas são raríssimas as vezes que o autor a permite brilhar.
Que tal em Boku no Hero Academia? Dos vinte alunos da 1A, seis são garotas, todas com habilidades de suporte. O que falar então de Star and Stripe? A mais forte super-herói da atualidade tem uma participação vergonhosa no arco final da série, para dizer o mínimo, sem spoilers.
Pela obra se voltar, mercadologicamente, para esse grupo (masculino, 12 a 18 anos), é de fato mais comum que os protagonistas se enquadrem nesses moldes também para gerar identificação; o mesmo ocorre, afinal, com o shoujo, seinen, josei…
Para concluir a introdução: com “síndrome de mulher em shounen”, estamos tratando de um elenco feminino que possui algumas das seguintes características: encarada apenas como um rosto bonito (portanto objeto), burra, fútil, sem autonomia para lutar pelo seu destino — sem poderes e/ou fraca, precisa ser salva pelo herói — e com tramas voltadas (às vezes até de modo maternal) à sua preocupação romântica pelo protagonista.
Tipo 1: A submissa/bela desmiolada
Vamos lá: você e um grupo de youtubers foram sequestradas por um perverso cururu bilionário e estão reféns em sua nave espacial vagando pelo cosmos — o que fazer? Essa é a premissa de um mini-arco de Edens Zero, onde Rebecca tem de assumir as rédeas… ao menos até seu resgate chegar.
O sapo mafioso tem como objetivo maligno tornar aquelas beldades em mobília, e para isso vai deixá-las nuas e petrificá-las (sim, esse é o plot). O que o grupo faz? Aceita passivamente seu destino enquanto choram as pitangas. Rebecca é a única que decide se revoltar na multidão, partindo para salvar a pátria, mas sem antes de oferecer uns closes sensuais para a câmera.
“Isso vai dar um montão de visualizações, uma thumbnail provocativa, mas talvez tenha restrição de idade.”
A preocupação de Rebecca após ser amarrada e torturada com choque.
Esse é o clássico estereótipo “bonita, logo burra”, e como seu corpo é sua única qualidade redentora, espere piadinhas sexuais e poses provocativas que não fazem sentido algum, como ricochetear balas em seus seios durante um apocalipse zumbi.
Ela está lá para o universo conspirar contra sua existência — ser capturada várias vezes — que debochem de seu QI negativo, lutas que apelem para seu corpo, além de ser (ab)usada e humilhada conforme for da índole do autor. Lembrou de alguém? Estava pensando em Elizabeth de Nanatsu no Taizai, mas não nos limitemos a um só exemplo.
Mas nem tudo são trevas! Por vezes nossa garota irá brilhar! Quer dizer… não por muito tempo. Se seus poderes ousarem ultrapassar os limites de força do protagonista, pode ter certeza que seu papel será menor e seu poder diminuído, conforme conveniente, afinal, nenhum homem quer ser desafiado por uma mulher, certo?
Indo além de animes de confronto, o estereótipo pode também ser encontrado em dramas do cotidiano através da figura da enérgica garota cheia de energia e ideias idiotas, pontos bônus se o protagonista for estoico, quadrado e/ou a voz da razão. Estou falando de você, Uzaki-chan asobitai! Mas, novamente, poderia ser Suzumiya Haruhi e muitos outros.
Tipo 2: A indomável
Não há quem duvide que esta seja forte. Ela é rígida, indomável, endurecida pela vida. Por mais bela e jovem que seja, é provável que personagens homens refiram-na como bruxa e velha, afinal, nenhum homem quer ser desafiado por uma mulher, certo?
Em Fairy Tail, de Hiro Mashima, Erza Scarlet é a personificação da indomada. Quando mais jovem, cresceu com Gray e Natsu, e como irmãos chegavam até a tomar banho juntos, sem qualquer conotação obscena. Para ser respeitada entre os homens e aqueles que a fizeram mal, Erza precisou se fechar, agir mais como se espera de um homem.
Não leve a mal, nós as admiramos; mulheres também podem ser assim. Porém, há algo de estranho (principalmente numa mesma obra) quando força e feminilidade não podem coexistir, ou ainda essa última seja associada à enganação, à tramoia.
Quando aliada ao bem, é justa e compassiva, embora rígida, e usa de sua força para fazer o que é certo. Quando má, espere loucas comandantes, talvez fúteis, que irão dobrar cada língua que vier a se levantar contra elas.
Contra-exemplos
Como já foi dito, nem todo protagonista de shounen será um garoto, e tampouco essas convenções tem de ser seguidas. Em Yakusoku no Neverland, Emma é a bússola que vai guiar e salvar os jovens do Orfanato Grace Field. Em Kimetsu no Yaiba, a despeito de não ter protagonistas femininas, o trio principal tem como importantes guias a demônio Tamayo e a hashira Kanae Kocho.
Em Fullmetal Alchemist, escrito por uma mulher, não faltam exemplos de garotas líderes e fortes (mesmo que os estereótipos apareçam), como a Major Olivier Armstrong, a oficial Riza Hawkeye, a mecânica Winry Rockbell, a alquimista Izumi Curtis e a princesa Mei Chang.
Pode ser verdade que estejamos mais acostumados a ver mulheres pela ótica masculina, mas tampouco é garantia que uma obra escrita por uma mulher esteja imune a alguns desses problemas — alô Inuyasha. No fim, é uma boa oportunidade para botar a mão na consciência, sem deixar de se divertir assistindo, óbvio!
O que se pretende com essa crítica é trazer uma reflexão sobre o que consumimos, afinal, não existe algum produto de cultura que seja verdadeiramente neutro. Pela maneira como nossa sociedade está escrevendo mulheres, não estamos desumanizando-as?
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