O que é a vida senão uma jornada através do espaço tempo. A estrada construída pela ilusão de tempo proporcionada pela rotação da terra em torno do sol é o que a humanidade conhece como caminho “real”. Além das fronteiras da via láctea nenhum homem jamais olhou diretamente. Presos em um pedaço de rocha que se move no vácuo, os mais curiosos da espécie tendem a se virar para as estrelas e se perguntar se há mais alguém por lá. Provavelmente nunca terão a resposta, pelo menos de acordo com o que diz o Paradoxo de Fermi. A ausência de sinais de vida inteligente em um universo infinito pode causar um extremo sentimento de solidão em indivíduos mais conscientes, mesmo que eles estejam rodeados de outros sete bilhões de irmãos.
Bom, já que a ciência não dá as respostas a esses indivíduos, o cinema ameniza suas miseráveis vidas ao preencher as lacunas e ao criar utopias. No processo, compete e ganha de lavada das religiões, por causa de sua inteligência, criatividade e capacidade de divertir. Através das telas é possível presenciar a colonização de outros planetas, a descoberta de buracos de minhoca, o contato com alienígenas, a batalha contra discos voadores invasores, etc. A imaginação do roteirista é o limite.
Para aumentar o número de produções que se enveredam pelas galáxias fictícias em busca do desconhecido, afim de proporcionar as tão necessárias fantasias, há “Ad Astra – Rumo às Estrelas” de James Gray. No filme, o astronauta Roy McBride é chamado pelo governo para uma missão secreta que precisa investigar misteriosas e mortais ondas de energia vindas de Netuno. McBride é escolhido, não só porque é bom no que faz, mas também porque é filho de Clifford McBride (Tommy Lee Jones) um pioneiro nas viagens espaciais que perdeu o contato com a terra há trinta anos, exatamente no local de onde vêm as ondas.
O solitário filho, que cresceu sem a figura paterna, agora terá que ir atrás do pai em uma árdua jornada que passará pela lua e por marte. Tudo será ainda mais difícil por causa de sua personalidade que não comporta a inclusão de qualquer tipo de relacionamento. Ele está sozinho dentro de si, e a narração em voz over entrega um homem que só consegue ouvir sua própria consciência. “Ad Astra – Rumo às Estrelas” é uma história reflexiva, existencial e heroica, que teria tudo para ganhar a atenção dos fãs de sci-fi e se tornar mais um cult do gênero, mas James Gray não consegue ser totalmente feliz na execução.
Para começar, Gray parece não ter decidido qual caminho seguir entre ser relativamente fiel à física ou mergulhar nas impossibilidades do sci-fi puro. Afinal, na diegese, há som no espaço? Em alguns momentos é possível ouvir as explosões e em outros não. A tecnologia representada no filme pode fazer um ser humano viver por 30 anos em gravidade zero ou uma viagem de três meses pode resultar em danos psicológicos e físicos? As duas possibilidades estão presentes entre o segundo e o terceiro ato. A não definição das regras atrapalha o espectador na imersão e o faz se afastar do tema principal.
Além disso, o roteiro, do próprio Gray, peca ao criar situações que apenas servem como obstáculos para a missão de McBride, mas que não estão ligadas à trama principal. Como exemplos, há os momentos na Lua, com um ataque de piratas, e o socorro prestado a uma nave à deriva, que retarda a chegada a Marte e trás novos perigos. É como se o roteirista sentisse a necessidade de dificultar a jornada e, no processo, fazer de “Ad Astra – Rumo às Estrelas” um filme com alguns momentos de puro entretenimento. Assim, demonstra certo medo de que o público ache sua obra enfadonha em sua proposta reflexiva. Talvez, as comparações que poderiam surgir com o “chato” ”2001 – Uma odisseia no Espaço” ou com os filmes sensoriais de Terrence Malick sejam as culpadas pela construção de tais cenas. Será que o aclamado cineasta pensou com a cabeça do público não cinéfilo?Agora, por outro lado, foi a técnica apurada que tomou conta da cabeça dos responsáveis pela fotografia e pelos efeitos visuais, já que, junto com a atuação de Pitt – que será melhor detalhada abaixo – são excelentes. O uso do fotógrafo de “Interestelar”, Hoyte Van Hoytema e do CGI de ponta entregam cenas de espaço deslumbrantes. Gray, também se aproveita de Van Hoytema, e sua experiência com filmes espaciais, para causar no espectador a impressão de isolamento. A solidão que o personagem de Pitt sofre é representada pelo fato de sempre estar sozinho em cubículos característicos de cápsulas, estações e naves espaciais. Por vezes, há uma barreira como um vidro ou mesmo um capacete separando-o da câmera. Nos momentos reflexivos do astronauta, os planos se fecham, tirando toda a profundidade de campo. Há ainda o mergulho nas trevas, seja da imensidão do espaço ou de instalações mal iluminadas das bases estelares.
Ambientes como esses só poderiam afetar negativamente uma espécie social como a humana, e a atuação acima da média que Pitt constrói é uma amostra disso. Ele incorpora um personagem contemplativo e triste. Suas expressões são discretas, controladas, e as Interações com os outros personagens são breves e desconfortáveis, mostrando sua profunda introspecção. As únicas vezes que se abre são durante as avaliações psicológicas, mas essas são feitas por um computador.
A solidão do astronauta é a mesma que sente todo o ser humano em relação a um universo cheio de matéria, porém, como dito no início, sem evidências de vida inteligente. O infinito que rodeia o pequeno planeta azul chamado Terra é morto. Pensando neste problema, a conclusão é que será preciso, de fato, que a humanidade se una como espécie, pois o niilismo da existência exige que os laços afetivos sejam reforçados. Expandir, ao invés de retrair, é a resposta. Como no Big Bang, terá que ser uma expansão rápida e continua, para que não haja o regresso e a implosão. O astronauta descobre isso, pena que o diretor responsável pela condução de sua jornada a faça de forma insatisfatória.
Imagens e vídeo: Divulgação/Fox Film do Brasil
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