Ninguém nega que os fantasmas que a Segunda Guerra Mundial deixou para a Alemanha estão sempre presentes para esse país. Enquanto a Inglaterra sempre usa de tais memórias para reforçar ideia de heroísmo e de batalha contra forças do mal, os alemães parecem quase sempre preferir omitir tais eventos. Não bastasse a inegável culpa que recaiu sobre eles depois da Primeira Guerra, o mesmo volta a acontecer depois da Segunda. Dessa vez, no entanto, a coisa era pior. Hitler e os nazismo não são passíveis de qualquer tipo de relativização ou de coisa que o valha, e a própria Alemanha parece reconhecer isso. De toda forma, resquícios de ideologias totalitárias ainda hoje mostram suas garras e preocupam não só os cidadãos germânicos como o mundo todo. “Em Pedaços”, filme exibido no Festival de Cannes, em 2017, é uma obra que faz um comentário sobre essas questões, bem como é um drama profundo que trata de outros temas.
O filme conta a saga de Katja Sekerci, mulher que constitui família com um ex-traficante de drogas turco, e que com ele tem um filho. Tudo muda quando ambos morrem no que parece ter sido um evento planejado, fazendo com que a protagonista passe a buscar por justiça, custe o que custar. Tendo isso em vista, é natural que Diane Kruge brilhe como atriz principal, e é isso que acontece. Ela comove sem que nos sintamos num drama que é apenas pesado por ser pesado. Entendemos todas a nuances da personagem e o pouco que sabemos de seu passado nos dá total de condição de entendê-la. É uma atuação muito humana, que permite ao espectador se comover com ela, mas também se contrapor ao rumo que toma, por vezes.
Outro aspecto que reforça isso é a estruturação do roteiro. Bem dividido em três atos, que possuem um título cada, a evolução da narrativa fica bem evidenciada e segmentada através de partes consideravelmente diferentes entre si. O elo entre cada uma delas é uma filmagem que lembra uma gravação caseira antiga, com uma estética parecida com a dos anos 90 ou 2000. É um recurso quase documental que traz muita verdade aos personagens explorados pela trama, ainda que eles não tenham forte presença em tela.
E se foi dito que o filme é um drama, em essência, é bom ressaltar que ele não se atém a isso. O terço final do longa apresenta características fortes de suspense, deixando a ideia de que o desfecho pode mudar a qualquer instante. Não é uma carga muito forte desses elementos, mas eles se encontram de forma que enriqueça a obra, tornando-a mais plural em sua execução.
Por outro lado, a direção ajuda a gerar essa sensação de desconforto, de melancolia. O uso do plano holandês e de enquadramentos quase claustrofóbicos se mostra bastante presente e eficaz, ainda mais se considerarmos que os momentos em que essas técnicas aparecem são particularmente angustiantes, fortes. O figurino e a paleta de cores escolhida pela fotografia também estabelece diferenças significativas entre o passado e o presente. Antes da morte de seu marido e filho, Katja está em um mundo com cores mais vivas e alegres, que se contrapõe as cores sóbrias, escuras e cinzentas que passam a reinar depois.
“Em Pedaços” é comovente e faz comentários sociais e políticos na medida certa. Possui interessantes pretensões e as alcança bem, com uma protagonista interessante que engaja o espectador em sua jornada. Chega a ser cruel em alguns momentos, mas isso se deve a sua escolha por ser tristemente real. Não seria de se estranhar que fosse baseado em alguma notícia de jornal, ainda adaptada e com liberdades artísticas.
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