Sarcasmo, violência e metalinguagem assinam
a 9ª produção de Quentin Tarantino.
Em tempos de produções megalomaníacas com super-heróis e orçamentos astronômicos, torna-se cada vez mais rara a ocorrência de filmes autorais. Entretanto, por mais rara que essas ocorrências sejam, quando elas chegam, não falham ao agradar o público mais seletivo. E sendo assim, “Era Uma Vez Em… Hollywood” chega para fazer jus à fama e ao tato narrativo do cineasta Quentin Tarantino.
O filme já mostra a que veio ao estabelecer de maneira direta o clima de Hollywood da época em questão. Iluminada por uma crescente indústria de entretenimento, mas aterrorizada pelos atos dos seguidores de Charles Manson. Não apenas pelos figurinos impecáveis e uma direção de arte que equilibra perfeitamente o original com o retrô, mas pelo resgate da essência dos anos 60. Essência essa que é uma das forças motrizes para um dos maiores acertos do projeto. A metalinguagem, presente também no longa “Bastardos Inglórios”, de 2009. Diferente do longa de 10 anos atrás, a trama principal de “Era Uma Vez Em… Hollywood” gira quase que exclusivamente em torno do cinema e da indústria cinematográfica de 1969.
Em primeiro lugar, roteiro elucida sua abordagem metalinguística ao apresentar situações e conflitos, sejam eles objetivos subjetivos, ligados intimamente com a produção cinematográfica ou com o mundo de astros e estrelas. Em outras palavras, o roteiro pertence a uma obra de cinema que também fala sobre o “fazer cinema”. Por outro lado, esse mantém algumas das marcas registradas de Tarantino, que também o produziu, ao abordar diálogos longos e incomuns, por sua falta de linearidade e por referências a obras clássicas, algumas delas de autoria do próprio diretor.
Porém, essa metalinguagem só é de fato consolidada com o trabalho perfeito da direção de Tarantino. o cineasta sabe o peso dramático de um movimento câmera, da expressão de um ator e das orientações de um diretor. Assim, em uma cena que literalmente mostra a gravação de outra cena, a câmera, a atuação e até a própria direção desenvolvem uma dupla função dentro e fora da narrativa. Mas não é só pela metalinguagem que o diretor garante todo o destaque. Cada plano é composto meticulosamente para instigar, simpatizar e provocar o espectador com um personagem. Diferente de outras produções de Quentin, “Era Uma Vez Em… Hollywood” não conta a história de matadores de nazistas, gângsters, assassinos ou caçadores de recompensas. Ainda assim, a violência, outra marca registrada do diretor e roteirista, é justificada e consegue impactar o público.
As diversas indas e vindas de carro, caminhadas e Travellings em câmera lenta pelas ruas de Hollywood, tornam o distrito um dos protagonistas do filme. A construção lúdica, repleta de sarcasmo, das cenas envolvendo o universo artístico, fazem do distrito um ambiente divertido e irônico. Todavia, este se torna sombrio quando o foco da narrativa passa a ser o icônico Spahn Ranch (lar dos diversos jovens membros da Família Manson). A direção consegue, sem perder a sua identidade, mostrar esse lado escuro de Los Angeles ao passar de uma comédia trágica para um “pseudo-suspense” ao apresentar o rancho em uma cena sem nenhuma trilha musical, onde cada som ambiente, seja do vento ou uma chave batendo consegue aumentar a tensão do espectador.
E por falar em protagonismo, as composições e diferentes apresentações feitas para cada um dos personagens dão ainda mais força para o filme. Leonardo DiCaprio retorna depois de quase quatro anos longe das telonas com o divertido Rick Dalton. Seu personagem é apresentado de forma divertida e competente de modo a estabelecer desde já a sua crise e seu medo, Já o ator consegue equilibrar bem o lado cômico e dramático do personagem sem se tornar caricato ou piegas demais. Brad Pitt, em sua segunda participação num filme de Tarantino, traz um personagem bronco e simples com sua interpretação do dublê Cliff Booth. Assim como seu personagem, sua apresentação é feita de maneira simples e direta.
A composição de Sharon Tate, feita pela atriz Margot Robbie, consegue trazer para a personagem uma aura de perfeição, fazendo com que o espectador simpatize com sua persona gentil e sorridente, mas não angelical, uma vez que a personagem é mostrada roncando em uma pequena cena, mas ao mesmo tempo de uma vítima, já que toda sua gentileza aproxima o público da personagem e vide seu trágico destino, na madrugada de agosto de 1969. Contudo, vale ressaltar a sutil aparição de Charles Manson, interpretado por Damon Herriman, no dia em que ele visita a casa de Tate, em fevereiro do mesmo ano. Sua apresentação é feita, novamente, com um ar mais denso, na qual qualquer trilha musical é ausente e o som ambiente reina absoluto, aumentando a tensão do espectador. Seu rosto, é mostrado poucas vezes, e quando aparece por completo, instaura o horror de um dos homens mais malignos da história americana.
“Era uma Vez Em… Hollywood” é uma comédia dramática que foge da mesmice das produções atuais, mantém a identidade dos demais trabalhos de seu realizador, Quentin Tarantino, e ainda sim agrada, surpreende e garante seu nome para as apostas da temporada de premiações de 2019.
Acompanhe também a outra crítica do site aqui.
Imagens e Vídeo: Divulgação/Sony Pictures
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