“A Chegada” (Arrival, 2016) é um filme que aporta inesperadamente aos cinemas. Há bons anos – senão, décadas – o tema da chegada de alienígenas e o primeiro contato entre duas raças não era explorado com tanta profundidade, qualidade e criatividade. Talvez alguns ainda se lembrem de Contato (Contact, 1997) de Robert Zemeckis lançado há 19 anos e baseado no livro homônimo de ninguém menos que Carl Sagan de 1985, o criador da série “Cosmos” (Cosmos, 1980).
Novamente, temos uma mulher protagonista. Assim como em “Alien, o oitavo passageiro” (“Alien”, 1979) com Sigourney Weaver e Jodie Foster em “Contato”, temos outra mulher como protagonista de um filme de ficção científica, Amy Adams (“Man of Steel”, 2013) contracenando com Jeremy Renner (“The Avengers”, 2012). A atuação de ambos não deixa nada a desejar, explorando sentimentos não tão vistos no cinema, como a angústia, a incompreensão e o que H. P. Lovecraft chamaria de o “terror cósmico”.
O diretor, Denis Villeneuve, conhecido por três filmes de ótima qualidade: “O Homem Duplicado“ (“Enemy”, 2013) baseado no livro homônimo de Saramago, “Os Suspeitos” (“Prisoners”, 2013) e “Incêndios” (“Incendies”, 2010) baseado na peça homônima premiada de Wajdi Mouawad, 2013, é acompanhado pelo roteirista Eric Heisserer, tendo se baseado no livro “Story of your Life” (1998) de Ted Chiang, ganhador do Prêmio Nebula e indicado ao prêmio Hugo, ambos prêmios de literatura de fantasia e ficção científica. Ambos mostram um olhar intimista que poderia ser dito análogo ao filme “A árvore da vida” (The tree of life, 2013).
O filme tem como principal tema a linguagem e o primeiro contato de uma sociedade alienígena. Aqui é importante entender o quão literal a palavra “alienígena” temos de ser para entendermos as raízes das discussões levantadas. Por vezes, apenas um terceiro elemento imparcial pode resolver um conflito entre duas ou múltiplas pessoas, cidades, países, mundos. Mas creio que o filme acerta muito mais em outra questão, aquilo que advém da nova linguagem: o tempo.
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A filha de Louise aparece primeiro em sua morte, depois, apenas no fim, sua concepção e seu pai. A linguagem não-linear muda a estrutura da mente de Louise – e logo de toda a humanidade -, pois nos símbolos circulares tudo é dito de uma vez. E por tudo, me refiro a tudo o que dizemos em vida. Uma vez dentro dessa lógica em que vivemos o passado, o presente e o futuro simultaneamente, tudo o que temos a perder, tudo o que nos angustia, todo o nosso luto, o vazio de alguma forma não nos acerta tanto, pois se dilui em todo o tempo e – por que não? – na própria eternidade dessa experiência temporal.
Um dos heptapods morre ao fim. Seu parceiro e ele próprio sabiam claramente de tal destino, sabiam da bomba, sabiam da revolta dos soldados, mas, mesmo sabendo de seu destino, não havia mais por que lutar contra ele. “A Chegada” nos ensina que o vazio e a angústia da insegurança de não termos controle sobre nosso futuro pode cessar por meio da aceitação – o que não quer dizer uma vida sem lutas – de nossos futuros – e, novamente, por que não? -, nossos destinos.
No fundo, o que os governos da China, Rússia e outros no filme representam, numa típica estereotipização, é o medo. Atacam por temerem, estarem em terror diante o inexplicável. E o que é mais agonizante do que o incompreensível, o imensurável, a personificação do “infinito” do espaço? Por fim, todo medo é um grito por vida. E toda violência é o eco desse grito. De uma mesma maneira, os soldados rebeldes dos Estados Unidos representam isso, porém o filme não entra tanto em detalhes quanto a isso. Culpa num breve comentário a mídia que contagia a população.
Assim, “A Chegada” nos dá mais sede de filmes de Denis Villeneuve e livros de Ted Chiang. E também nos impulsiona a repensar soluções para tais questões, como a apresentada no filme: “somos um mundo completamente dividido, somos um mundo sem um líder”.
Por Paulo Abe
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