A dubiedade é o ponto mais interessante em “A Caça”, e sem dúvidas é por onde seu enredo gravita. Tal ambiguidade vai mostrando, inclusive, como a manipulação da audiência feita pelos realizadores é forte e impactante, principalmente quando bem feita, revelando o quão suscetíveis somos enquanto espectadores. Além disso, o filme de Thomas Vinterberg é prova de que, ao contrário do que muitos dizem, o roteiro não é a alma de um filme ou seu componente mais importante. “A Caça” possui ótimo roteiro, porém simples, que ganha corpo com sua unidade enquanto obra, já que há um meticuloso trabalho de direção aqui e é possível dizer que os demais aspectos audiovisuais estão todos alinhados perante a mesma proposta, perante as mesmas questões centrais.
A premissa apresentada é, por si só, suficiente para causar comoção no público, justamente por envolver uma falsa acusação de abuso sexual infantil. É nesse sentido que, em primeiro lugar, somos surpreendidos em como essa situação é construída. Lucas (Mads Mikkelsen), protagonista acusado do crime e Klara (Annika Wedderkopp) são apresentados durante o primeiro ato, bem como o universo que os rodeia, antes de qualquer acontecimento mais significativo dentro da trama. Quando ele vem, por iniciativa da menina, as relações e o cotidiano daqueles personagens já são conhecidos e, por conta disso, as consequências que ocorrem se dão com muito mais naturalidade, são muito mais críveis. As atuações, por outro lado, ajudam nessa construção e são bem marcantes, principalmente a de Mads Mikkelsen que, até por ser protagonista, possui o maior tempo de tela. Lucas é um homem pacato, que não vive grandes aventuras na vida e que se vê dentro de uma situação perturbadora, deixando-o em estado praticamente catatônico.
Vinterberg é muito eficaz ao não se contentar em contar uma história sobre uma acusação injusta, e faz isso inserindo também o ponto de vista da menina Klara. Em teoria, sabemos que Lucas é inocente e não temos evidência clara do contrário, mas contrapor esses fatos com um olhar vindo de outro personagem torna tudo muito mais rico. Há várias emoções sentidas aqui, que perpassam a compaixão, dúvida, impotência e pena. É um verdadeiro caldeirão de sentimentos que torna a experiência de “A Caça” intensa, sem jamais ser gratuita.
Importante também mencionar as rimas temáticas e visuais estabelecidas com o próprio título do filme, com a caça. Ela aparece em momentos determinados da projeção e, sobretudo nos minutos finais, possui grande relevância. Esse elemento eleva o tom do filme e dá uma aura poética para o que assistimos. Se Lucas e os habitantes da cidade em que vivem praticam a caça, ela não se restringe somente à caça de animais. É muito plausível estar caçando num dia, como mostra Vinterberg, e ser caçado no outro.
“A Caça” certamente não é um filme divertido, tampouco leve, mas é brilhante. Uma peça que consegue tratar com respeito e qualidade de assuntos muito sérios e que são tabus dentro da sociedade, sem perder a possibilidade de trabalhar com tais temáticas de modo delicado e poético.
Imagens e Vídeo: California Filmes
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