Paris ocupada pelos nazistas durante a segunda guerra mundial quase não é abordada pelo pujante cinema francês. Não é de se estranhar, já que é vergonhoso aos franceses ter que encarar a fraqueza de seus antepassados, quando uma parte deles colaborou com as forças de Hitler. Pela rara retratação dessa sombria época do país, é de grande interesse do cinéfilo e do fã de história quando um filme como “A Garota Radiante” se propõe a mostrá-la. No entanto, o longa dirigido Sandrine Kiberlain, a famosa atriz que dirige seu primeiro longa metragem, não é uma história habitual de guerra. Na verdade, não há tiros disparados ou explosões na tela, e quase não se vê os vilões alemães. Aqui, o que importa é a doce e alegre Irène (interpretada com competência e graciosidade por Rebecca Marder), que sonha em ser atriz de teatro.

Mesmo se passando durante o maior conflito da história da humanidade, a obra de Kiberlain é, na maior parte do tempo, leve e com ares de fábula, por causa das escolhas narrativas da cineasta e pela presença de Marder. O artesanato cinematográfico é de boa qualidade artística, principalmente porque a direção, a fotografia e o figurino usam rimas visuais para passar a mensagem pretendida. Em uma cena especifica, por exemplo, Irène e seu pai (André Marcon) estão sentados no banco de uma praça. Eles estão deslocados levemente à direita do quadro conversando sobre a ocupação da cidade. Em certo momento, quando o diálogo ganha ares mais graves, a luz do sol, que tomava conta da cena, é logo substituído por uma escuridão proporcionada por nuvens que a cobre. A posição de seus corpos no plano, assim como a transição de luz para as trevas, deixa bem claro os propósitos dos realizadores.
Além disso, Irène veste vermelho e azul no inicio do filme, o que externa sua paixão pela vida e doçura pessoal. No segundo ato, quando ela é obrigada a usar a estrela de Davi colada em seu peito – que naquele contesto servia para identificar os judeus-, as cores de seu figurino mudam para tons mais escuros e tristes. A espiral formada pela escadaria de seu condomínio filmada em plongé, por sua vez, também está presente para que a personagem “mergulhe” nela, em um caminho que talvez não tenha volta. Outro fator importante é que Irène treina para entrar em uma peça de teatro. Ou seja, sua vida é quase toda passada nos palcos e nos livros, tirando-a do mundo cruel que a cerca e deixando-a em um intenso conflito entre o lúdico e o real. Realidade esta que é tratada por Kiberlain com bastante cuidado, já que a diretora, que também é a roteirista, nunca mostra os nazistas diretamente. O inimigo não ganha, acertadamente, face. Eles, cuja ações foram tão destrutivas, realmente não precisam ter espaço. Aos executores da barbárie resta os livros de história e os filmes do passado que usou deles como material de conscientização.

Portanto, “A Garota Radiante” é basicamente um estudo de personagem com uma atriz que pode vir a ser tão amada quanto Audrey Tautou, já que transmite a mesma doçura e inocência da sua compatriota, que interpretou Amélie Poulain em 2001. É realmente muito difícil não amá-la desde o início da projeção porque Marder é alma dentro de um corpo em formato de filme, e que faz dele algo notável.

Formou-se como cinéfilo garimpando pérolas nas saudosas videolocadoras. Atualmente, a videolocadora faz parte de seu quarto abarrotado de Blu-rays e Dvds. Talvez, um dia ele consiga ver sua própria cama.
