O teatro de arena, que é composto por uma arena circular em que os espectadores ficam dispostos ao redor da área cênica, atingiu grande difusão após a segunda metade do século XX, sendo, portanto, um espaço muito recente na forma de se experienciar a arte teatral. A peça Amadeo, que esteve em cartaz do começo de março até o final de maio no TUCARENA, tendo como protagonista o famoso artista Thalles Cabral, desafiou-se a ocorrer nesse espaço e, adianto, não foi uma escolha muito feliz.
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A peça foi dirigida por Nelson Baskerville, que recebeu o desejado prêmio Shell em 2010 e o Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro em 2012, possuindo uma vasta experiência no teatro desde os anos 80 e trabalhado com grandes nomes, como Bibi Ferreira e Vladimir Capella.
Embora o teatro de arena seja uma experiência muito significativa quando bem executada, como pudemos presenciar em Agropeça, do grupo Teatro da Vertigem, ou em Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto, do grupo Clariô de Teatro, a apresentação da peça Amadeo sofre com um problema básico de uso de espaço, o que afeta diretamente a experiência estética. Isso ocorre quando os atores, assim como alguns equipamentos que atravessam a arena e demais elementos da cena, se concentram em determinadas posições, ficando de costas para um número expressivo de pessoas na plateia. A concentração do público fica voltada para o centro da arena, e se o ator não consegue mostrar seu rosto ao público ou ainda projetar sua voz para que as pessoas que estejam nas cadeiras finais o escutem, é inegável que a escolha desse tipo de palco seja infeliz.
A peça escrita por Côme de Bellescize é dramatizada com base em um caso real, um acidente automobilístico sofrido por Vincent Humbert, que ficou tetraplégico, cego e mudo, e conseguia se comunicar apenas com o polegar direito. O tema central da peça é o direito à eutanásia, isto é, a escolha de um paciente terminal ou com problema grave de saúde pela própria morte. Se por um lado a premissa é interessante, pois indica um tema relevante para um debate que o Brasil tem atrasado, por outro, a execução teatral e de roteiro não caminharam nada bem juntos.
O maior acerto foi a escalação da atriz Chris Couto, que recebeu o prêmio Shell em 2018 como melhor atriz, brilho esse que foi inevitável perceber enquanto vivia a mãe de Amadeo. Chris consegue pegar uma personagem com um texto ruim e entregar uma atuação impecável pelo olhar, pelo andar, pelo tom de voz, como uma mãe preocupada e presente. Não há como assisti-la e não sentir um arrepio na espinha após as cenas em que o filho sofre o acidente.
Acerca do restante do elenco, valem alguns comentários. Thomas Huszar e Janaína Suaudeau, o elenco mais jovem, embora tenham um currículo teatral admirável – Thomas, por exemplo, tem um Prêmio São Paulo como Melhor Ator, e Janaína já se apresentou em teatros na França e no Brasil – traziam em suas atuações uma falta de confiança nos próprios personagens parecendo que estavam no palco pela primeira vez. Thomas sequer olhava para a plateia, enquanto Janaína consegue protagonizar uma das cenas mais “vergonha alheia” que já vi em um teatro. Embora seja uma tendência observada em muitas peças romper a caixa cênica para interação com o público, a cena em que a personagem de Janaína está bêbada e se aproxima de um espectador fez com que ele ficasse constrangido, assim como as demais pessoas ao redor. Não sei se era a intenção da direção ou do texto, mas a insistência da atriz e a duração da cena pareciam intermináveis.
Cláudia Missura e César Mello, que possuem em seus currículos inúmeros filmes e um longo histórico na televisão, parecem não conseguir trazer para o palco uma atuação mais expressiva, dados os papeis que desempenham. César ficou apagado, e nas poucas cenas em que aparece, quando precisa demonstrar raiva ou compaixão, essencialmente as únicas emoções de seu personagem, o faz de maneira amadora. O personagem de Cláudia, Clóvis, consegue ser irritante e desnecessário, algo que a atriz transmitiu bem, mas ele é descartável para a trama, não tendo uma função muito clara: é um guia de Amadeo para o mundo dos mortos? É sua consciência? Se sim, parece não ser uma coisa e nem outra.
Por fim, Thalles, que encarna o protagonista e é um dos nomes mais conhecidos do elenco, não tem uma atuação convincente, já que deveria ser o personagem com o qual o público deve se apegar mais, e fica resumido a um adolescente estereotipado, ou arranhado no estereótipo, que não tem força o suficiente para sustentar o personagem após o acidente, mola propulsora da narrativa. Seu destaque é apenas perceptível nas expressões do personagem quando está em coma. Devido a isso, o público não consegue se conectar tanto com Amadeo, embora seja algo necessário para que a história nos sensibilize.

Retomando a composição cênica, um teatro de arena mal utilizado, um elenco talentoso pouco explorado, é possível ao menos elogiar o trabalho de iluminação de Wagner Freire e Roseli Marttinely, que conseguiram, no caminho contrário desse mundo apagado, trazer um brilho para ambientar certas emoções. Conseguem fazer com que a peça fique visivelmente agradável, embora limitada.
Nenhum personagem ou situação foi aprofundado. A peça parecia um recorte de informações dispostas em um enredo. Algo que tinha tudo para dar certo e brilhar, fazendo com que o espectador saísse transformado, resume-se em um cansaço de fim de noite. Nunca 90 minutos de espetáculo demoraram tanto pra passar.

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