A Imigração como caminho para os sonhos e distanciamentos
O documentário pessoal “Bem-Vindos de Novo”, dirigido por Marco Ioshy, traz um compêndio de sua família, abrangendo 13 anos de distanciamento entre seus pais, ele e suas duas irmãs. Logo no começo, é mostrada a vida confortável com direito a carro novo na garagem, casa aconchegante e viagens em família, das quais os pais de Marcos e suas irmãs usufruíam até o início das (infinitas) crises financeiras modernas pelas quais o Brasil e o mundo passaram e passam até hoje (globalização, especialização e mecanização da mão de obra). Isso levou Roberto e Yayoko Ioshisaki a migrarem de volta ao Japão, para trabalharem como funcionários de uma fábrica com o plano recorrente (quem nunca?) de acumular capital suficiente para prover as despesas de seus filhos e garantir a qualidade de vida que tinham outrora.
Conjeturando, os pais do diretor Marcos eram pequenos empresários e, devido à crise, entre outros fatores, não permitiram a continuidade dos negócios. Eles viram na migração para sua terra natal a oportunidade de gerar uma renda que lhes permitiria se estabelecer na volta ao país. Esse fenômeno é muito comum e define a comunidade dos dekasseguis (em japonês: trabalhar fora de casa), brasileiros descendentes de japoneses que se dirigiram para o Japão para trabalhar como mão de obra barata e não qualificada. Porém, o plano era de apenas dois anos, mas acabou se estendendo por treze.
O trabalho mecânico no chão de fábrica, a obstinação de Roberto e uma doença grave e não planejada acabaram afastando a família, até que, vencidos pelo “cansaço”, os Ioshisaki decidiram voltar para junto dos filhos e de poucos parentes que restaram no Brasil. Treze anos! O que essa distância significa para uma família? Como uma criança processa essa distância dos pais que viajaram para o outro lado do mundo, onde não era tão simples pegar um ônibus ou avião para encontrá-los e vice-versa?
Quando adolescente, criado junto com as irmãs pela avó materna, por narração em off recorrente por toda a narrativa do filme, o diretor Marcos nos diz que se sentia órfão de pais vivos, e é exatamente esse o sentimento que perpassa todo o filme, onde até as comemorações se tornam protocolares, pois os pais estão longe dos filhos e eles não têm alegrias em comemorações familiares como o Natal ou Ano Novo!
Porém, Marcos se retrata como o que menos sentiu essa falta, por estar envolvido em atividades comuns dos adolescentes pelo mundo, como encontrar sua turma na escola. Não que houvesse falta de contato. É genuinamente emocionante as cartas e vídeos enviados entre a família, que vão sendo exibidos no decorrer do filme. Um, em particular, quando do seu apartamento minúsculo no Japão, os pais improvisam uma comemoração com alguns familiares e colegas de trabalho pela formatura da filha mais velha.
Quanto aos filhos, com o passar do filme, acompanhamos quem mais sofreu com a ausência dos pais, as filhas, que chegam a se emocionar entre risos nervosos, achando que iriam morrer com a separação. Sente-se o afeto que às vezes pulsa na tela (seja em qual você vá assistir)… Mas, em última instância, o distanciamento.
Surgem momentos de esperança pela gravidez de uma das filhas, o que une definitivamente a família pela esperança que a nova vida traz para um novo recomeço. No restante do documentário e pela narração de Marcos, percebe-se o quanto da obstinação de seu pai pode custar dos sentimentos, amores, atitudes e saúde. Sim, porque um dos motivos da extensa estada dos Ioshisaki no Japão foi para pagar uma cirurgia de emergência médica que acometeu o patriarca Roberto. Sem amigos, trabalhando 12 horas por 6 dias da semana, custaram além da falta de contato e distanciamento dos filhos, a perda da noção de tempo.
Trata-se de um retrato muito particular em que, às vezes, o diretor fica indeciso sobre o cineasta e o filho, o artista e o familiar. Essa dicotomia, às vezes, traz passagens arrastadas, mas, do ponto de vista do diretor, me parecem justificadas, considerando a proximidade com o material, embora algumas careçam de contexto, como na situação da dissolução da sociedade no restaurante de um determinado hotel.
Os próprios pais reconhecem não apenas uma vez, ao longo do filme, o que esse tempo longe dos filhos lhes custou e, em comparação ao que ganharam… Será que valeu a pena? No final, além do balanço dolorido, em especial do Sr. Roberto, pai do protagonista, sobre o tempo que se passou longe dos filhos e a conclusão de todo esse sacrifício, nos mostra o quanto, pelas nossas escolhas, estamos destinados/presos a trilhar o mesmo caminho, mesmo que, por vezes, tenhamos esperança de que a situação irá melhorar. Novamente… Será?
Obs.: Atenção às belas composições cantadas e musicadas por Júlia Teles, em especial a última, de uma assertividade e sensibilidade únicas.
Por Roberto Rezende.
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