Com exibição no último dia da CCXP22, no palco Ultra, o filme Ciclo de Ian SBF é uma das promessas dos próximos meses do cinema nacional que cinéfilos ou não deveriam ficar de olho. Confira nossa crítica, sem spoilers, sobre nossas impressões geral da obra.
O inferno está lá fora(?)
Ninguém aguenta mais falar sobre pandemia, narrativas de Apocalipse, etc. O próprio gênero distopia adolescente, tão em alta poucos anos atrás, desapareceu da mídia como que de repete. O primeiro desafio que Ciclo rede foi, portanto, romper com essa aversão.
Deve-se dizer que, embora o trabalho de promoção não há de ser fácil, Ciclo deve contar com uma boa propaganda do velho boca a boca, afinal, por mais que o mundo de Ciclo não esteja (e não deve estar) comprometido com o mundo real numa relação de igual para igual, há uma pré-ideia de que essas histórias já deram o que tinham que dar — possivelmente potencializada por preconceito com o cinema nacional — e o longa tão bem demole essas falsas expectativas, te prendendo do início ao fim.
Quiçá o grande ponto de brilhantismo esteja nas representações em abismo/abyme: o filme é todo cíclico, desde as estruturas físicas até o comportamento dos personagens, que vão assumindo o papel dos demais. Quanto mais você olha, mais deliciosamente estranho fica.
Ciclo não requer nenhum doutorado em semiótica narrativa para construir sua mensagem, porém, oferece recompensas àqueles que tentam investigar a trama junto do protagonista. Ao fim, o mistério no não explicado — como em um conto de Junji Ito — entrega uma irresolúvel inquietação que permite que à audiência completar essa história, em retalhos por excelência, conforme seu repertório.
É difícil de acreditar a princípio que um filme de pouco orçamento possa entregar uma experiência tão imersiva em uma ficção de mundo paralelo; os atores não se encontraram fisicamente para gravar, a gravação foi realizada em poucos dias e há um quê de improviso na edição final — nada que seja perceptível e tire a atenção do foco.
Algumas das críticas concernentes ao filme talvez estejam mais alinhadas com o plano da argumentação do roteiro do que com o funcionamento de suas engrenagens. O espectador pode questionar-se, por exemplo, sobre um papel moralizante do filme, que não está estampado aos quatro ventos — mas… a arte tem obrigação de se curvar a essas convenções?
Uma das perguntas que surgiu na coletiva de imprensa, levada inclusive pela Woo, é a respeito do momento de lançamento do filme. Há a presença de uma aversão e pânico para com as autoridades sanitárias tanto no filme quanto na vida real, sem que no filme isto seja encarado por uma ótica negativa.
Olhando por outro lado, todavia, esse criticismo pode se autocanibalizar; em outras palavras: porque “x” acontece, a resposta crítica pode estar no não dito. Ou ainda: já que há essa sensação de angústia e desesperança, mesmo agridoce, própria de muitas distopias, Ciclo não cai em contradição pois rechaça esse universo através da crítica pelo silêncio.
O elenco está afiado. Daniel Furlan (Diego, no longa), mais conhecido pelos papéis no humor, surpreende e rouba a cena no seu crescendo de loucura. Felipe Abib (Antônio, no longa) não poderia deixar de ser mencionado, assumindo com maestria o cargo não remunerado de detetive e sendo devorado pouco a pouco pelos horrores lá de fora — e se não os de dentro de si também?
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