“Cinco da Tarde” sabe expressar o poder das memórias deixadas e as emoções vividas.
Lembra-se do último momento em que entrou em conflito com sua própria mente, criando perguntas aleatórias e comuns que mexeram com a sua realidade? Anabel, sim! Ela vive esse instante no belíssimo “Cinco da Tarde”. Perdida em meio às memórias deixadas por uma pessoa muito querida, num período em que o caos tirou o norte de muitos, ela encontra, a alguns andares abaixo do dela, a possibilidade de uma âncora capaz de estabilizá-la e, ao mesmo tempo, uma bússola que poderá guiá-la de volta ao seu caminho.
Anabel é uma jovem de 17 anos que acabou de perder a sua avó, a pessoa com quem morava e que era, de certa forma, seu rumo. Sentindo-se sozinha e desorientada, ela se aproxima de Meiko, sua vizinha e uma antiga colega de escola. À medida que a amizade desabrocha, e a intimidade as torna ainda mais conectadas, Anabel começa a entender melhor sua própria realidade e o momento em que se encontra. Essa é a premissa de “Cinco da Tarde”, uma obra singela que vai mexer com muitos e despertar emoções contidas há tempos.
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O filme é uma coprodução entre o Brasil e Portugal. Izabella Faya (“Derrapada”), Fernanda Reznik (“Unicórnio”) e Rodrigo Areias (“Listen”) são as responsáveis por essa produção simples e profunda, que se passa quase toda dentro de um apartamento, mas é tão poderosa quanto qualquer outro filme repleto de locações grandiosas.
O roteiro muito bem construído por Eduardo Nunes, conhecido pelo seu trabalho em “Árido Movie”, é intrigante e rouba sua atenção desde o primeiro momento em que Anabel aguarda ansiosa pela chegada do Elevador. Com uma escrita sutil, direcionada através de capítulos, diálogos afiados e personagens desenvolvidos de forma clara e instigante, Nunes desenvolve uma narrativa fluída que vai tornando-se intensa aos poucos, em seu decorrer, ao criar uma atmosfera verossímil e impressionante, ao mesmo tempo que estranha e desconcertante.
A direção, também assinada por Eduardo Nunes, é elegante e eleva a sua história a outro patamar. De forma contemplativa, fazendo uso de poucos e longos planos, e através de movimentos certeiros de câmera, o diretor conduz cada capítulo de forma diferente, ao vagar pelos apartamentos, criando vivências que vão do sofrimento à euforia, instantes que roubam completamente o seu ar, seu chão, te sufocando para, de repente, mostrar uma luz no fim do túnel, um sorriso diferente. Instantes, esses, de poesia única, entrecortados pelo vasto preto e branco que toma a trama, expõe o luto e o toque de cor que devolve a alma, a vida.
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Barbara Luz, Sharon Cho e a veterana Analu Prestes brilham em cena com performances equilibradas e inesquecíveis. A começar por Barbara, que poderá ser vista em breve no próximo longa de Walter Salles (“Eu ainda estou aqui”): a atriz traz uma interpretação mais marcada, em alguns aspectos quase teatral, porém que funciona perfeitamente para a sua Anabel. Com um excelente trabalho de respiração, suas cenas vão ganhando força no decorrer da trama. Já a cativante Cho, conhecida pela série “Além do guarda-roupa”, nos presenteia com uma atuação delicada e comovente, entretanto tão forte quanto a de sua colega. E o que falar de Analu Prestes, uma verdadeira dama do teatro e cinema? Em seus poucos minutos de tela, a atriz nos conduz a um lindo e inebriante passeio por diferentes sensações. O filme ainda traz participações sólidas de atores, como Matheus Costa, Augusto Madeira e Miwa Yanaguizawa. Todos muito bem em cena.
A fotografia de Mauro Pinheiro Jr. é ousada e envolvente, e é difícil não ser seduzido por sua câmera e pelo seu excelente trabalho ao criar imagens deslumbrantes, explorando a ausência de cores de maneira inteligente. O domínio de Mauro, em relação à paleta monocromática, pode ser visto em diferentes pontos do filme, mas torna-se ainda mais evidente quando o diretor de fotografia brinca com o contraste nas cenas em que a protagonista visita sua casa e sente uma presença no local. É de suspirar! Sua luz mergulha fundo em emoções enraizadas e, por um breve momento, nos leva a questionar o que é real e o que é fruto da imaginação.
André Weller e Marcos Reis dividem a direção de arte e realizam um bom trabalho em compor um visual diferenciado para as duas principais locações. Luciana Buarque é a responsável pelo figurino do filme e também apresenta um trabalho notável, distinguindo muito bem os estilos das protagonistas e contando um pouco mais sobre os demais personagens em cena.
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A música de Paulo Furtado, o desenho de som de Pedro Marinho, a mixagem de som de Maurício D’Orey e a montagem de Flávio Zettel ajudam a criar o tom certo para o filme. Um trabalho de pós-produção muito bem realizado que consegue ajustar os poucos problemas que a produção sofre pelo caminho, gerando a tensão necessária e o ritmo certo para conduzir a história até o final.
“Cinco da Tarde” não é um filme perfeito, mas possui pontos positivos significativos que merecem ser destacados. É uma linda obra nostálgica, que sabe expressar o poder das memórias deixadas e as emoções vividas.
* “Cinco da Tarde” foi visto durante o Festival do Rio 2023. Até o momento, o trailer do filme não havia sido disponibilizado.
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