A crítica do filme “Derrapada” foi feita durante o Festival do Rio 2022
A gravidez na adolescência é um um tema bastante desafiador para as famílias brasileiras. Isso porque, falar de gravidez é também falar de sexo, um dos grandes tabus da nossa sociedade. O filme “Derrapada” consegue tratar do tema com leveza, sem deixar de encarar a realidade e o quanto é difícil cuidar de um filho, quando os pais ainda precisam ser cuidados.
O texto a seguir contém spoilers
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“Derrapada” é uma adaptação do romance “SLAM” de Nick Hornby (mesmo autor dos sucessos “Alta Fidelidade” e “Um Grande Garoto”). A história é narrada por Samuca (Matheus Costa), skatista e um designer em potencial, que com apenas 17 anos descobre que sua namorada, Alicia (Heslaine Vieira), está grávida.
Roteiro contempla a complexidade do tema
O primeiro acerto do roteiro é situar a relação dos jovens no ano de 2016, ano de intensa movimentação política no país. Foi o ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff e o avanço de pautas autoritárias e conservadoras, que incluía a Escola sem Partido, um movimento que visa cercear o direito de opinião dos professores (principalmente de esquerda). É durante uma ocupação na escola contra esse movimento que os jovens se apaixonam.

O roteiro também contempla muito bem os conflitos e tensões familiares desde o início do relacionamento dos dois, que vivem realidades bem diferentes. Alicia é uma menina preta politicamente engajada, que tem um lar estável com pais (interpretados por Luís Miranda e Jussara Mathias) presentes e zelosos. Já Matheus, vive com sua mãe, a batalhadora Melina (Nanda Costa) que engravidou aos 17 anos e teme que o filho dê a mesma derrapada que ela, e tenha que renunciar seu futuro promissor, como ela.
Mas… Deixa de fora o aborto
O momento da suspeita até a descoberta da gravidez é bastante realista, e retrata bem a diferença entre homens e mulheres na questão. Enquanto Matheus some, Alicia precisa lidar com o peso da suspeita e da descoberta sozinha. Não há felicidade com a notícia, muito menos juras de amor eterno. Ao invés disso, decidem encarar o problema juntos, exatamente como deve ser. O grande avanço da narrativa aqui é o desejo de Matheus de fazer tudo diferente do seu pai ausente (Augusto Madeira).
O único ponto a desejar no roteiro é quando eles contam para os pais e entra a questão do aborto. As duas famílias sugerem o procedimento a Alicia, contudo, os personagens falam como se fazer um aborto estivesse ao alcance de todas, mas estamos falando de uma prática que só é realizada em casos muito específicos. Do contrário, é uma prática ilegal. Esse assunto requer uma abordagem mais cuidadosa e seria uma ótima oportunidade para estimular um debate.
Atuações na medida certa
As atuações são muito competentes. Heslaine Vieira traz muita potência para Alicia e tem muita química com Matheus Costa, que faz muito bem o menino cheio de sonhos mas que vive uma realidade um pouco distante deles. Nanda Costa empresta sua experiência pessoal a Melina, e é com a atriz que temos os momentos mais emocionais no filme. Luís Miranda faz com maestria o pai sisudo em sintonia plena com Jussara Miranda.

O alívio cômico vem com o pai de Matheus interpretado por Augusto Madeira, o professor da escola e namorado de Melina de Felipe Rocha, e também com Leandro Soares. Este último interpreta Coelho, amigo de Matheus e que rouba a cena sempre que aparece. Vieram dele as risadas mais altas no cinema.
Direção imprime muito dinamismo ao desenrolar dos eventos
A direção de Pedro Amorim é habilidosa e traz uma proposta interessantíssima para o filme. A quebra da quarta parede envolve e contagia, já que o recurso é usado na perspectiva de ligar o público a Matheus ao longo de todo filme. Em alguns momentos entram em cena algumas animações, que imprimem ainda mais dinamismo ao filme, em especial quando marcam passagens no tempo.

Outros aspectos técnicos como figurino, trilha sonora e fotografia completam bem o espetáculo. A produção tem alguns problemas pontuais, mas nada tão significativo que mereça registro. Especialmente se considerarmos que a finalização foi durante a pandemia, o que por si só já é um desafio enorme. Em resumo, “Derrapada” é cinema nacional de alta qualidade, que desenvolve o tema da gravidez na adolescência de forma leve, porém, realista. Além disso, traz para a sociedade o problema da paternidade adolescente e como ela se desenrola num país machista como o Brasil, onde muitos pais sequer registram seus filhos.
*Esse filme foi assistido durante o Festival do Rio 2022.

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